Tributação em números

Em razão das reflexões publicadas neste espaço, tenho recebido algumas mensagens de leitores interessados em obter elementos e informações úteis para o questionamento dos candidatos aos diferentes cargos eletivos no pleito que se avizinha. Interpreto estas manifestações como o salutar reflexo do grau de amadurecimento que o tema da cidadania fiscal vem assumindo em nosso País, embora grande parte da classe política ainda não tenha se apercebido deste fato.

Tenho a sensível impressão de que a sociedade está se conscientizando, ainda que lentamente, de que é ela, no final das contas, a única responsável pela manutenção financeira do Estado e que as empresas (contribuintes da maioria dos tributos) são meros intermediários entre o Fisco e o consumidor de bens e serviços, para quem são repassados todos os custos tributários. Daí a necessidade de aprimoramento do controle democrático sobre os agentes políticos incumbidos de definir o “quantum” que o Estado necessita retirar da sociedade para a sua manutenção.

Neste sentido, analiso a seguir alguns números relativos à evolução da arrecadação tributária federal (administrada pela Secretaria da Receita Federal – SRF), segundo informações produzidas pela própria SRF e que permitem algumas conclusões sobre os caminhos que o sistema tributário brasileiro trilhou nos últimos oito anos (1994 a 2001).

A primeira observação digna de relevo diz respeito ao considerável aumento da arrecadação, a qual teve um aumento real (descontada a inflação medida pela variação do IGP-DI) de 42,73%. Vale dizer, em apenas oito anos houve um aumento de arrecadação da ordem de cerca de 135 bilhões de Reais. Este aumento de arrecadação deveu-se a fatores relacionados à melhora da eficiência da máquina arrecadatória (combate à evasão fiscal) e a alterações da legislação tributária que viabilizaram alguns aumentos de alíquotas e de bases de cálculo de tributos. Neste sentido, assume destaque o aumento de arrecadação obtido com a COFINS, cuja receita arrecadada no período cresceu em cerca de 107% em razão da considerável majoração de sua base de cálculo e alíquota.

Outra informação digna de nota diz respeito ao considerável papel que as contribuições sociais incidentes sobre a receita bruta das empresas (PIS e COFINS) assumem na composição da receita tributária administrada pela SRF. Atualmente apenas a receita de PIS/COFINS corresponde a cerca de 30% do conjunto arrecadado pela Secretaria da Receita Federal. Em outras palavras, com apenas dois tributos (embora perniciosos do ponto de vista macroeconômico) chega-se a um terço do total arrecadado.

Para se ter uma idéia do que isto representa, o Imposto de Renda das empresas (incidência tributária clássica) corresponde atualmente a apenas 9% da arrecadação total, isto é, as empresas pagam no geral a título de imposto de renda cerca de um terço a menos do que pagam de contribuições sociais incidentes sobre a sua receita bruta (PIS e COFINS).

A análise destes números permite concluir que a tributação das empresas no Brasil tem se norteada pela incidência sobre a receita bruta, o que pode trazer problemas jurídicos relativos à ofensa de capacidade contributiva (até onde o nível de receita bruta de uma empresa autoriza concluir que houve manifestação de riqueza apta a ser tributada?) bem como de verificação do “efeito confisco”, o qual se manifesta não apenas com alíquotas altas demais, mas também com alíquotas aparentemente pequenas incidentes sobre bases de cálculo excessivamente altas, como por exemplo o faturamento.

Papel de destaque na arrecadação tributária federal é assumido também pela CPMF. Em 2001, este tributo representou 9% do total arrecadado pela SRF, o que em números equivale a cerca de 18 bilhões de Reais. Dado que permite concluir também que de Provisória a CPMF tende a se transformar em Permanente haja vista o importante papel que desempenha no conjunto da receita tributária total arrecadada pela União Federal. A arrecadação da CPMF em 2001 (à alíquota de 0,38%), comparada com a arrecadação do IPMF em 1994 (0,20%) – a partir de quando passou a existir esta nova base de incidência tributária no Brasil – cresceu em cerca de 63%.

Outro aspecto que merece ser ressaltado diz respeito ao caráter absolutamente ridículo que o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR assume na arrecadação tributária federal: apenas 0,12%. É revelador da atual estrutura de poder político reinante no Brasil desde os tempos das capitanias hereditárias que um imposto com aptidão extrafiscal para funcionar como um instrumento de desincentivo à existência e à manutenção de grandes propriedades rurais improdutivas tenha um efeito arrecadatório praticamente nulo.

Uma última observação deve ser feita em relação à incidência de imposto de renda na fonte sobre os rendimentos de capital (aplicações financeiras, etc), o qual corresponde atualmente a cerca de 8% da arrecadação tributária total, o que representa menos do que se arrecada a título de imposto de renda na fonte sobre os rendimentos do trabalho (salários, por exemplo). É uma distorção que em um país com o grau de desigualdade social do Brasil, arrecade-se mais com a tributação sobre os salários do que com a tributação sobre os rendimentos produzidos pelos excedentes de capital.

Embora pareça enfadonho refletir sobre números relativos à arrecadação tributária, este é um exercício importante para o aprimoramento da cidadania fiscal, na medida em que habilita o cidadão a discutir e cobrar posicionamentos mais claros de seus representantes políticos quanto ao tema, bem como reflete com incrível transparência o efeito real de ações engendradas pelo poder político no Brasil na área tributária, muitas vezes mascaradas pelo discurso oficial (fácil) de busca do interesse público.