Tributação e combustíveis

O tema relativo ao preço dos combustíveis, em especial da gasolina, tem estado presente no noticiário jornalístico do País, seja pela confusão que reina neste setor econômico – causada pela incapacidade dos órgãos reguladores em construir um modelo de regulação eficiente e pela instabilidade internacional – seja pela importância que este insumo possui na vida econômica do País.

A grande imprensa centra sua análise na observação da evolução dos preços da gasolina nas bombas de combustíveis, via de regra para imputar a alguns empresários a prática de preços abusivos ou de formação de cartéis no setor. Esta visão distorcida, ou pelo menos parcial, da realidade, via de regra é refletida nas ações dos órgãos defensores dos consumidores (Ministério Público e Procons).

Embora não afaste a possibilidade de em alguns casos de fato estarem ocorrendo as apontadas infrações à ordem jurídica econômica – as quais devem ser reprimidas na forma da lei – julgo importante ressaltar a importância que a questão tributária deve assumir na análise da questão relativa ao preço dos combustíveis, em especial da gasolina.

De início, é importante registrar que os tributos incidentes sobre os combustíveis estão na raiz de grande parte dos problemas e das distorções existentes neste setor econômico. Tivemos no passado o problema da tributação do ICMS, o qual foi substancialmente reduzido com a criação da sistemática da substituição tributária nas operações com combustíveis, a qual operou uma diminuição no número de contribuintes e, por conseguinte, uma sensível redução na possibilidade de evasão fiscal.

Em momento posterior assistimos à disputa judicial em torno da interpretação do artigo 155, parágrafo terceiro da Constituição Federal que, segundo um grande número de doutrinadores, impediria que as contribuições sobre o faturamento (PIS e COFINS) incidissem sobre as operações com combustíveis. Houve um grande número de liminares pelo País livrando contribuintes da incidência destas contribuições, o que, por óbvio, gerou enormes distorções de preços no mercado, haja vista o fato de que aquelas contribuições incidem cumulativamente à alíquota de três vírgula sessenta e cinco por cento sobre cada operação realizada na cadeia de produção/comercialização dos combustíveis.

Depois de muito debate doutrinário e jurisprudencial, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal que decidiu pela constitucionalidade da incidência daquelas contribuições nas operações com combustíveis. Mesmo depois da decisão do Supremo Tribunal, ainda houve decisões liminares pelo País livrando alguns contribuintes do recolhimento daqueles tributos, o que levou o Governo Federal a adotar uma espécie de substituição tributária também para as citadas contribuições, combatendo, assim, mais uma vez o efeito deletério que as liminares judiciais causam no setor.

Em todos estes momentos, o que se percebe é a inexistência de um modelo de tributação adequado e seguro para o setor. As regras e as incidências tributárias ainda estão sendo (casuisticamente) construídas, o que, por óbvio promove a insegurança e possibilidades jurídicas de fundada discussão judicial de normas tributárias, no bojo do qual são proferidas medidas liminares (o que é perfeitamente legítimo) cujo efeito prático é o de gerar distorções de preços em um mercado altamente competitivo.

Um aspecto, contudo, deve ser observado com atenção, antes de serem proferidas críticas aos agentes econômicos do setor: a carga tributária incidente sobre os combustíveis. Atualmente 55,8% do preço da gasolina é composto por tributos. Em 2001, a divisão da carga tributária média incidente sobre a gasolina ficou assim dividida: PIS-COFINS 9,8%, contribuição de intervenção no domínio econômico sobre combustíveis (CIDE) 14,8%, ICMS 30,5% e CPMF 0,7%.

Estes números permitem concluir que a indignação do consumidor e a atenção dos órgãos de fiscalização da regularidade do setor devem ser dirigidas também aos próprios Governos e não exclusivamente aos agentes econômicos que produzem e comercializam combustíveis no País. Vale dizer, mais da metade do que você, consumidor, paga por um litro de gasolina é revertido aos Fiscos estaduais e federal a título de tributos. O agente econômico (refinaria ou posto revendedor) é mero agente arrecadador do butim federal e estadual.

Uma reforma tributária que pretenda trazer o Brasil de volta para a trilha do crescimento econômico e da prosperidade não pode negligenciar questões cruciais como aquela relativa à tributação dos combustíveis, haja vista a importância do custo deste insumo para a produção nacional. Por outro lado, antes de promoverem verdadeiras campanhas, caracterizadas muitas vezes por um exacerbado matiz policialesco, sobre os agentes econômicos do setor de combustíveis, os órgãos oficiais, a imprensa e a sociedade deveriam exigir uma política tributária clara e justa para o setor.