Os tributos e o mercado

Existe um consenso na sociedade brasileira quanto ao gigantismo da nossa carga tributária, o que traz em conseqüência o debate acerca dos rumos de uma reforma tributária, ainda em construção. No entanto, qualquer debate neste sentido deve envolver não só a definição do perfil das figuras tributárias a serem mantidas/criadas/reformadas, e respectivas alíquotas e bases de incidência, mas também uma séria discussão acerca do perfil de Estado e de sociedade que desejamos.

Os tributos existem para fazer face às despesas gerais do Estado. Logo, a necessidade de receita tributária é diretamente proporcional às atividades que o Estado se propõe a desempenhar, as quais são o produto de deliberações políticas. Assim, quanto mais amplas são as funções estatais, maior é a necessidade de arrecadação tributária para custeá-las.

A sociedade deseja ardentemente a concretização de uma reforma tributária porque imagina que somente através dela haverá uma redução de carga tributária. Este é um desejo com grandes chances de ser frustrado se não houver uma decisão firme de redução de despesas públicas. Vale registrar que a maioria das Administrações Públicas no Brasil gasta em torno de setenta por cento apenas com o custeio da máquina pública (despesas com funcionalismo e manutenção do aparato administrativo). Se houver uma sensível redução de tributos, como todos desejam, como poderá o Estado custear a sua máquina administrativa?

É preciso coragem e espírito público para expor com clareza esta situação ao grande público. Não há saída racional: a redução de tributos deve ser acompanhada da redução de despesas públicas, sobretudo aquelas relacionadas com a manutenção do aparato administrativo. Desnecessário lembrar que um choque de eficiência no setor público também é fundamental. Para tanto, o investimento em treinamento e qualificação – com políticas regulares de verificação de desempenho –  é indispensável.

Por outro lado, as funções estatais também devem ser redefinidas no contexto de uma reforma tributária. Necessária uma revisão do conceito segundo o qual o Estado deve dispor de uma massa cada vez maior de recursos porque somente ele é capaz de com tais recursos gerar mais igualdade e justiça social. Esta é uma inominável falácia, como demonstra a História recente do Brasil.

A carga tributária brasileira está hoje em torno de 34% do PIB, e não há nenhum sinal de que o aumento da carga tributária a tal nível tenha diminuído a desigualdade ou a miséria no Brasil. Pelo contrário, o que assistimos é uma crescente deterioração das condições de vida do povo brasileiro. O Estado brasileiro revelou-se um mau gestor dos recursos tributários, se considerarmos que a finalidade destes é a promoção do bem estar social e não outros fins menos nobres socialmente, como o pagamento de juros extorsivos e de manutenção de uma casta de funcionários privilegiados.

A transferência progressiva de riqueza da sociedade para o Estado tem-se se revelado incapaz de diminuir a grande chaga social que é a miséria. É preciso que resgatemos a nossa crença no poder criativo do setor privado, porque só este é que cria riqueza, única fórmula capaz de fazer face à desigualdade social. O processo de inclusão da enorme massa de pessoas sem esperança passa pelo fortalecimento do mercado e pela geração de condições (e não favores estatais) para que este grande contingente se insira como agente econômico, gerador e beneficiário da riqueza produzida.

O mercado, e a riqueza nele produzida, deve ser para todos e não apenas para alguns. O papel do Estado é fortalecer o mercado através de mecanismos que permitam a inclusão de novos agentes econômicos. Isto se faz com o acesso à tecnologia e ao crédito e não com aumento de carga tributária que sufoca os setores produtivos que lutam para permanecer no mercado, e os empurra para a evasão fiscal. Assim agindo, o Estado estará reforçando o seu papel de agente capaz de gerar aglutinação social.

Evidentemente que o Estado deve regular, e fortemente, o mercado, inclusive através de tributos. Contudo, o que é indesejável, e absolutamente inócuo como instrumento de combate à desigualdade social, é a utilização do poder tributário como mecanismo incontrolado de transferência de recursos do setor produtivo para o aparato burocrático, que ao invés de promover políticas públicas que conduzam à efetiva inclusão social, opta pela concessão indiscriminada de favores estatais, por sua natureza temporários.

Parece claro que a utilização de receita pública para o custeio de programas sociais fundados na ótica populista do favor estatal (como o grande rol que assistimos atualmente) não tem operado qualquer modificação social relevante no Brasil. Pelo contrário, estamos criando e estimulando a cultura do favor estatal, sufocando a energia produtiva que existe na grande massa do povo brasileiro e gerando a efêmera sensação de que a miséria está sendo combatida.

Os tributos devem ser utilizados para impulsionar a capacidade de geração de riqueza do mercado e como instrumento de auxílio à inclusão de mais agentes econômicos no mercado e não como fórmula fácil de transferência indiscriminada de recursos ao Estado para serem utilizados como fonte de custeio de programas sociais temporários fundados na cultura populista do favor estatal e que mantêm o beneficiário no mesmo patamar na escala social.