Responsabilidade tributária

A epígrafe deste artigo é tema sempre tratado a partir da imputação ao contribuinte do dever de recolher tributos aos cofres públicos. No entanto, é chegada a hora de abordá-lo sob ângulo diverso, a saber, a responsabilidade do Estado por danos causados ao contribuinte por atuação administrativa fora dos limites da legalidade por parte dos órgãos de arrecadação tributária.

Refiro-me ao direito dos contribuintes brasileiros de acionarem judicialmente o Poder Público visando o ressarcimento de danos que sofrem em razão de exigências tributárias indevidamente lançadas ou práticas de arrecadação que exorbitam os limites da legalidade.

Desde logo, é preciso separar a atuação administrativa na esfera fiscal que representa eficiência de arrecadação e combate à evasão fiscal, política pública legítima e almejada por toda a sociedade, de certas técnicas e práticas arrecadatórias que, a claras luzes, constituem manifestações explícitas do arbítrio – quase monárquico – com que algumas autoridades fiscalizatórias agem em nosso país.

Diante da ilegalidade e do arbítrio só resta ao contribuinte brasileiro procurar o Poder Judiciário, não apenas para se defender daquelas agressões, direito inafastável que ainda lhe resta no Estado Constitucional, mas também para acionar objetivamente o Poder Público requerendo a reparação de danos patrimoniais ou morais que a atuação estatal fora dos limites da legalidade tenha gerado.

A sociedade brasileira está farta do desprezo com que o Estado brasileiro a trata em matéria tributária – a rejeição à MP 232 é exemplo desta afirmação – e acredito que mais do que defender-se de exigências indevidas, é hora de os contribuintes responsabilizarem patrimonialmente o Estado e/ou seus agentes por atuação administrativa sem apoio na legalidade.

O fundamento jurídico para a aludida responsabilidade estatal está na própria Constituição Federal, a qual determina que o Estado brasileiro responde pelos danos que seus agentes, agindo investidos da função pública, causem a terceiros, independentemente de culpa ou dolo. O Direito Constitucional brasileiro abraça a chamada teoria da responsabilidade objetiva segundo a qual a responsabilidade do Estado surge independentemente da intenção do seu agente de causar dano a terceiro, sendo necessária apenas a presença do nexo de causalidade entre a ação do agente público e o dano dela decorrente.

Talvez a responsabilização patrimonial do Estado possa representar um óbice à lavratura de lançamentos fiscais sem qualquer supedâneo legal, os quais são rotineiramente cancelados até por órgãos do contencioso administrativo fiscal dotados de imparcialidade (Conselhos e Tribunais de Contribuintes), sem antes, todavia, terem gerado custos e aborrecimentos  ao contribuinte, que via de regra, tem que contratar profissional especializado para a sua defesa, haja vista a complexidade da matéria tributária.

E o que dizer da indevida inscrição do nome do contribuinte nos famigerados Cadastros de Devedores (Cadins e similares) por dívidas tributárias muitas vezes já quitadas, mas que a deficiência da administração tributária não consegue reconhecer? Atualmente, o Poder Judiciário está repleto de mandados de segurança cuja razão é justamente esta indevida inscrição, o que gera o não fornecimento de Certidão negativa de débitos fiscais,  documento necessário para a prática de uma série de atos jurídicos. Só a responsabilização patrimonial do Estado pode dar fim a esta prática ilegal ou pelo menos desencadear um esforço do Poder Público no sentido de respeitar os direitos do contribuinte.

Os Tribunais já começam a registrar os primeiros precedentes favoráveis de pleitos relativos à essa espécie de reparação. Recentemente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou o Poder Público a pagar danos morais a contribuinte que sofreu execução fiscal por débito inexistente, tendo o Desembargador-Relator fundamentado seu voto afirmando convicção geral, ou seja,  “o indevido ajuizamento de uma execução fiscal causa um transtorno na vida do executado que, em muitos casos e no dos autos, além do constrangimento, transtorno e dissabor, vê-se na contingência de contratar advogado para formular sua defesa.”

É dever do Poder Público atuar em conformidade com a legalidade. Os atos administrativos que exorbitam a competência legalmente reconhecida assumem a pecha da ilicitude e  o Estado deve ser responsabilizado patrimonialmente pelos danos que tal atuação causar ao contribuinte.

No entanto, a consequência patrimonial (indenização) derivada da atuação ilegal, não deve ser coletivizada, ou seja, suportada definitivamente pelos cofres públicos, devendo o Poder Público exercer o direito de regresso contra o servidor público que agiu em desconformidade com a lei, relativamente à condenação que for reconhecida ao contribuinte. Vale dizer, condenado a indenizar o contribuinte, deve o Poder Público ressarcir-se deste prejuízo posteriormente acionando judicialmente o servidor público que agiu fora dos limites que a lei lhe autorizara. Em última análise, quem agiu fora dos limites da lei (servidor público), deve indenizar o prejuízo derivado de tal atuação.

Por fim, a responsabilidade objetiva do Estado não retira a possibilidade de o contribuinte lesado acionar conjuntamente Estado e servidor público, nas hipóteses de flagrante dolo ou culpa deste, situação não rara nos dias atuais.

Estou convencido de que através da responsabilidade patrimonial do Estado por ilicitudes cometidas na esfera tributária, que, ao fim e ao cabo, recairá sempre sobre o agente público que as praticou, poder-se-á resgatar no Brasil o princípio republicano basilar de responsabilidade no exercício da função pública, bem como afirmar-se o direito fundamental do contribuinte de ser tratado na conformidade das regras e princípios inspiradores do Estado de Direito e de ser respeitado como sujeito de direitos e não só de obrigações perante o Fisco.