Indignação e mudança

É notório o grau de deterioração da representação política no Brasil, especialmente no campo federal. Este é um processo com origens remotas, mas que recentemente foi agravado pelos escândalos da prática de compra de voto de parlamentares e, sobretudo, pelo desprezo do pensamento da opinião pública no julgamento que os próprios pares fizeram dos acusados de quebra de decoro parlamentar.

Certo é que há um amplo desconhecimento do público em geral acerca das tarefas e das funções a serem desempenhadas por um parlamentar federal, a saber, a elaboração de normas gerais no campo da Federação, e a fiscalização das atividades do Poder Executivo Federal, em especial daquelas relacionadas com a aplicação do dinheiro público.

Em função desse desconhecimento, o voto nos candidatos ao parlamento federal acaba resultando da simpatia pessoal ou da vinculação com pleitos regionais localizados, que vão desde a construção de novas escolas e hospitais no município até o asfaltamento de ruas, tarefas típicas dos Poderes Executivos municipal e estadual.

Este processo de transformação no imaginário popular do Deputado Federal em Prefeito é comum especialmente nos Estados do Norte e Nordeste e colabora para aumentar o grau de insatisfação e frustração da população com os seus representantes eleitos para o Congresso Nacional, já que uma vez eleitos e diante das restrições orçamentárias federais não têm meios de cumprir com as obras esperadas pelo eleitor,

A indignação e a frustração estão fazendo desaparecer paulatinamente o valor do voto como instrumento de mudança política, transformando-o em mera obrigação legal sem conotação cívica, em desprestígio aos valores da democracia representativa.

No ensaio “Amnésia eleitoral: em quem você votou para deputado em 2002? E em 1998?” publicado no livro “Reforma Política: lições da História recente” (FGV), o cientista político Alberto Carlos Almeida revela que 71% dos eleitores esqueceram em quem votaram para deputado federal quatro anos antes e outros 3% citaram nomes inexistentes. O estudo demonstra ainda que o esquecimento diminui à medida que aumenta a escolaridade do eleitor. Os dados constam dos Estudo Eleitoral Brasileiro conduzido pela UFF e pelo Cesop/Unicamp (Folha de S. Paulo, 07/05/06).

A conclusão é alarmante. Se setenta por cento do eleitorado não se lembra em quem votou para deputado federal na última eleição, é evidente que esta parcela da população não mantém qualquer vínculo de representação, muito menos afinidade ideológica ou programática, com quem define o futuro do Brasil nas decisões tomadas no Congresso Nacional.

Este quadro conduz à eleição de pessoas cada vez mais desqualificadas para exercerem mandatos eletivos, aumentando o que se convencionou chamar de “baixo clero” no Congresso Nacional, composto de parlamentares sem a menor expressão nos debates realizados na Casa e de onde saem a grande maioria dos envolvidos em falcatruas e denúncias no plano federal.

Triste é perceber que para combater este processo de desgaste da representação política brasileira, grupos organizados da sociedade civil, muitos compostos por jovens que ganharam a cidadania política recentemente, em sinal de indignação e de descrença no valor da democracia representativa, vem pregando o voto nulo como alternativa para o próximo pleito eleitoral.

O voto nulo representa, a um só tempo, a resignação com a situação que vivemos e uma autorização para que aqueles com quem o eleitor está revoltado continuem a praticar as ações por ele tão contestadas, tendo em vista a circunstância de que a abstenção do eleitor indignado facilita o caminho de recondução do indivíduo já no exercício do mandato eletivo.

A indignação deve conduzir não à abstenção, mas à prática de ações concretas de civismo democrático, consubstanciado na valorização dos bons parlamentares, no esclarecimento da população com menor escolaridade acerca do verdadeiro papel de um parlamentar e na utilização do voto como instrumento de transformação política.

Portanto, a indignação deve conduzir a ações transformadoras e não a medidas estéreis, marcadas pelo absenteísmo cívico, que somente agravarão o grau de amesquinhamento da democracia representativa no país.