Oportunidade histórica

Segundo as previsões, nesta terça-feira (23/05), o plenário do Tribunal Superior Eleitoral decidirá se as novas normas eleitorais, introduzidas pela Lei 11.300/06 – a chamada mini-reforma eleitoral – valerão para as eleições deste ano.

As novas normas proíbem a distribuição de brindes (camisetas, bonés, canetas, por exemplo), a realização de “showmícios”, a apresentação de artistas e personalidades nas campanhas e a divulgação de pesquisas eleitorais a partir do 15º dia anterior à data da eleição. O uso de “outdoor” também fica proibido. Partidos, coligações e candidatos serão obrigados a publicar relatórios discriminando os recursos recebidos para financiamento das campanhas e os gastos efetuados. Os documentos devem ser divulgados em seis de agosto, seis de setembro e depois das eleições.

A citada Lei representa um avanço histórico no processo eleitoral brasileiro, sobretudo no que tange à proibição da distribuição de brindes e realização de “showmícios”. Já é chegada a hora de o Brasil tratar com seriedade o momento da escolha de seus representantes.

O coração da nova lei eleitoral é a proibição da oferta de brindes e a realização de “showmícios” para a promoção de candidaturas.

Tradicionalmente, a eleição no Brasil sempre se caracterizou pela oferta de pequenos presentes em troca do tão perseguido voto. Não raro, vitorioso era o candidato com maior capacidade de oferta e não aquele dotado de melhores qualidades para representar a sociedade ou aquele que apresentasse propostas que refletissem o pensamento dos representados.

Idéias, propostas e qualidades dos candidatos sempre foram substituídas pela capacidade de compra de apoio de cabos eleitorais – políticos de menor expressão e lideranças comunitárias e associativas que se aproveitam do momento eleitoral para ganhar algum dinheiro – e de exibir o poderio econômico através da quantidade de brindes distribuídos e de artistas contratados para animar a massa.

O brinde influi decisivamente na escolha do representante, isto porque consubstancia elemento de troca pelo voto, bem como serve para demonstrar a viabilidade eleitoral do candidato. Virtual vitorioso, aos olhos do eleitor, é o candidato que consegue maior visibilidade através de camisetas, bonés e outros presentes. Um grande derramamento de brindes com a foto, o nome e o número do candidato nos últimos dias da campanha é sinal de vitória e de mais adesões, afinal, como diz o ditado popular, “ninguém quer perder o seu voto”.

O resultado deste processo de patrimonialização do processo eleitoral é a deficiência da representação política, com a eleição de pessoas sem a menor condição moral, cultural ou intelectual de exercer mandatos parlamentares ou gerir a coisa pública, o que é refletido nos sucessivos escândalos diariamente denunciados pela imprensa, tendo como protagonistas justamente pessoas eleitas a partir da força do poder econômico, manifestado na compra de apoios, oferecimento de brindes e “showmícios”, enfim, tudo aquilo que temos a oportunidade de banir.

O eleitor tradicional, acostumado a pedir camisetas e bonés, terá agora que se contentar com as propostas e com a análise da História e da capacidade do candidato para exercer o mandato a que se propõe. O cabo eleitoral profissional perderá, se não todo – porque muita infração ainda haverá – pelo menos em grande parte, aquele tão esperado reforço de orçamento que sempre chegou em ano eleitoral, trazido pelos candidatos que nenhum compromisso têm com a comunidade local.

O dinheiro como combustível do processo eleitoral tende a ser paulatinamente substituído pela avaliação crítica da vida, das qualidades e das propostas de cada candidato. Ganha a democracia representativa, tão abalada por séculos de patrimonialismo na eleição daqueles que têm a incumbência de nos governar.

Não quero crer que os eminentes Ministros do Tribunal Superior Eleitoral irão adiar a aplicação de regras eleitorais tão importantes para a História brasileira, em nome do chamado princípio da anualidade, segundo o qual “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até (1) um ano da data de sua vigência”.

Pelo menos no que concerne à proibição de brindes e “showmícios”, parece-me claro que as novas regras não alteraram o processo eleitoral, mas apenas explicitaram uma proibição que já existia, qual seja, a de que o poder econômico não pode ser utilizado para influir na decisão do eleitor. Assim, não há razão jurídica para não se aplicar aquela proibição nas eleições deste ano.

É hora de o Brasil iniciar um processo histórico de moralização do espaço público e as novas regras eleitorais representam um decisivo instrumento na construção deste novo e esperado caminho.