A nova do STF

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 17.06.2008

 

O Brasil tem uma tradição jurídica secular de considerar o ato normativo inconstitucional como nulo, de modo que todos os efeitos patrimoniais dele derivados devem ser reparados. Na seara tributária, este princípio jurídico significa que todos os recolhimentos efetuados com base em lei tributária declarada inconstitucional devem ser devolvidos ao contribuinte.

Há muito tempo que os contribuintes questionam judicialmente a constitucionalidade das regras constantes da Lei 8.212/91 que autorizam a União a exigir contribuições previdenciárias devidas no prazo de dez anos, tendo em vista a circunstância de que pelo Código Tributário Nacional este prazo é só de cinco anos. Assim, na visão dos contribuintes, a citada lei ordinária seria inconstitucional porque conflitaria com o Código Tributário Nacional, regra de escalão normativo superior.

Na última semana, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, julgando os Recursos Extraordinários 556664, 559882, 559943 e 560626 declarou a inconstitucionalidade do prazo decenal, o que significa reconhecer, segundo o vetusto e tradicional princípio da nulidade da lei inconstitucional, o direito de todos os contribuintes a recolherem apenas o tributo relativo aos últimos cinco anos contados retroativamente do lançamento fiscal, bem como o direito à devolução de recolhimentos que contemplaram períodos superiores ao qüinqüênio.

Ocorre que os Ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram inovar, criando precedente perigoso para as liberdades individuais. A Corte, utilizando faculdade legal que não se aplica ao controle difuso de constitucionalidade segundo atestam seus próprios precedentes (v.g. AI 589.958-AgR), modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, criando abertura ou exceção ao princípio jurídico que impõe a ampla reparação pela tributação realizada com fulcro em lei inconstitucional.

Por maioria de votos, o Plenário decidiu que a  Fazenda Pública não pode exigir as contribuições sociais segundo o prazo de 10 anos previsto nos dispositivos declarados inconstitucionais. Tal impedimento vale tanto para créditos já ajuizados, como para aqueles ainda não ajuizados. Nesse ponto, a decisão teve a eficácia retroativa normal, ou seja, todos os contribuintes que estão sofrendo exigências tributárias com alcance de dez anos podem se aproveitar da decisão proferida pela Corte.

No entanto – e aqui está a grande novidade promovida pelo STF – os recolhimentos já realizados pelos contribuintes, com base na lei declarada inconstitucional, que até a data do julgamento pela Corte (11 de junho de 2008) não tiveram a sua devolução pleiteada judicial ou administrativamente não poderão se aproveitar da pronúncia de inconstitucionalidade.

Em outro dizer, o contribuinte que sofreu uma autuação fiscal contemplando o período de 10 anos e que decidiu pagar a dívida exigida, acreditando na validade da atuação estatal, segundo a inovadora decisão do STF não poderá ter a devolução do montante já pago com fundamento na lei inconstitucional. Por outro lado, outro contribuinte que sofreu a mesma autuação, mas ao invés de pagar, decidiu discutir a validade do auto de infração, administrativamente ou judicialmente, poderá se aproveitar da decisão da Corte e pagar apenas o tributo equivalente aos últimos cinco anos. Em suma: quem pagou, perdeu. Quem questionou, ganhou.

Não satisfeitos com a iniqüidade perpetrada sobre os contribuintes que acreditaram na lei e no Estado brasileiro, os Ministros do STF ainda transformaram a citada decisão na súmula vinculante nº 8 (“São inconstitucionais os parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário)”, retirando dos demais membros do Poder Judiciário o poder de julgar a questão diferentemente.

A partir deste precedente, diante de qualquer indicação de que a exigência tributária é indevida, cabe aos contribuintes ajuizarem ações questionando o tributo, sob pena de posteriormente serem punidos pelo STF por acreditarem na validade das leis brasileiras.