Compensação ambiental não é pena

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 08.07.2008

 

A Lei 9.985/2000 previu que nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei. O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento.

A compensação ambiental criada pelo citado dispositivo legal teve a sua constitucionalidade impugnada perante o Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.378-6, sob o fundamento de ofensa aos princípios da legalidade, da separação de poderes e da proporcionalidade.

A Suprema Corte julgou parcialmente procedente a ação direta para considerar inconstitucional tão-somente o piso (ou limite mínimo) – de meio por cento dos custos de implantação do projeto – da compensação ambiental legalmente criada. Esta decisão do Supremo Tribunal Federal estabelece um marco na Jurisprudência ambiental do país na medida em que permite algumas conclusões.

Primeira. A Corte expressamente reconhece a positividade constitucional do princípio do poluidor (ou usuário)-pagador segundo o qual aquele que desenvolve atividade econômica que gere impacto ambiental assume a responsabilidade jurídica de compensar economicamente os custos derivados deste impacto.

Dado extremamente importante é que resta claro na decisão do Supremo que a compensação ambiental não constitui uma pena ou punição imposta ao empreendedor que causa impacto ambiental, mas mero instrumento de compartilhamento dos custos relacionados com a defesa e a preservação ambiental. Como a compensação ambiental não constitui pena, deve ser fixada pelo órgão competente segundo critérios de razoabilidade e em patamar que não conduza ao asfixiamento econômico da atividade empreendedora.

Segunda. O Supremo Tribunal Federal também expressamente afastou a natureza jurídica indenizatória da compensação ambiental. Deve haver uma relação de causalidade entre o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento e o montante dos recursos exigidos do empreendedor. Vale dizer, o Poder Público não é livre para fixar a compensação que bem entender. A exigência deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório do interessado.

Neste passo, é importante registrar que o Supremo Tribunal Federal embora tenha deixado grande margem de liberdade ao Poder Público na fixação do valor da exigência, impôs-lhe limite jurídico-material de relevo, qual seja, a necessária relação de causalidade que deve haver entre a dimensão do impacto ambiental e o montante do dever pecuniário imposto.

Terceira. A decisão ora comentada traz novas luzes sobre o princípio da legalidade no campo ambiental na medida em que dispensa que uma exigência pecuniária, ainda que de natureza compensatória, tenha sua fixação exaustivamente definida em lei. Para reconhecer a constitucionalidade da exação ambiental, contenta-se a Corte apenas com o estabelecimento de critérios e de limites legais, como o da relação de causalidade impacto x compensação ambiental.

Quarta. A decisão do Supremo reforça a moderna técnica do “concerto administrativo”, idéia que expressa o ajuste, a relação de diálogo (e não de imposição) que deve haver entre o Poder Público e os administrados em algumas áreas do Direito, como o ambiental. Neste particular, assume notável importância o respeito ao devido processo legal e o reconhecimento pelo Estado de que o administrado tem uma ampla esfera de direitos, interesses e pretensões jurídicas a serem tutelados pela própria Administração e não apenas pelo Poder Judiciário.

Enfim, talvez a grande lição da decisão do Supremo seja a de que o empreendedor que causa impacto ambiental não é um criminoso que deve ser combatido e perseguido com a imposição de custos econômicos que inviabilizem a sua atividade, mas um sujeito de direitos, os quais são garantidos pela mesma Constituição que tutela a proteção ao meio ambiente.