Notas de Política Fiscal

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 04.11.2008

 

O atual momento de desaceleração dos mercados globais permite que se faça uma interessante análise do perfil da política econômica brasileira, notadamente no que tange à priorização que se deu, a partir da implantação do Real, à geração de superávits na balança do comércio exterior.

A opção macroeconômica prioritária pelas trocas internacionais reflete-se, sobretudo, na quase completa desoneração tributária das operações de exportações, que alcançaram inclusive estatura constitucional com a Emenda Constitucional 33, de 2001, que estabeleceu a imunidade tributária das receitas decorrentes da exportação relativamente às contribuições sociais (PIS, COFINS e, para alguns, também a contribuição sobre o lucro), e com a Emenda Constitucional 42, de 2003, que desonerou o ICMS, ao lado do IPI, já dispensado pelo texto original da Constituição.

Esta ampla desoneração tributária, ao passo que permitiu a geração de permanentes e crescentes superávits na balança comercial, produziu um fenômeno peculiar, bastante visível no presente estado de abalo mundial, qual seja, a dependência do equilíbrio da economia brasileira da exportação de recursos naturais não renováveis, especialmente metais e minérios, atividade que é levada a cabo por um reduzidíssimo número de empresas, entre as quais se destaca a Vale, segunda maior empresa nacional.

Diante do novo momento vivido pela economia mundial, não seria novidade que a Vale anunciasse alguns ajustes nas suas atividades, sobretudo porque talvez seja a empresa brasileira com maior grau de internacionalização. Neste sentido, na última semana a empresa anunciou o corte na produção de alguns itens da sua pauta de exportação, entre outros uma redução de 30 milhões de toneladas de minério de ferro, algo em torno de 10% do total extraído pela empresa.

Esta medida, plenamente justificada perante o estágio presente da economia mundial, vai impactar diretamente a balança comercial brasileira, tendo em vista a circunstância de que a empresa gerou, nos nove primeiros meses deste ano, 62% de todo o saldo comercial acumulado no período.

As exportações líquidas da Vale no período foram de US$ 12,2 bilhões, enquanto a balança comercial do país somou US$ 19,7 bilhões de janeiro a setembro. A importância da empresa, na balança comercial brasileira, é explicada pela circunstância de que ela é a maior exportadora líquida do país, já que vende muito ao exterior e importa pouco, diferentemente de outros grandes traders nacionais como Petrobrás e Embraer.

Estes números demonstram à saciedade o fato de que o país tem um dos pilares do seu equilíbrio macroeconômico – o superávit da balança comercial – apoiado em apenas uma grande empresa, que desenvolve uma atividade de exportação de recursos naturais não renováveis, impulsionada pela desoneração tributária.

A opção adotada pela política fiscal brasileira de geração de superávits comerciais à custa da ampla desoneração tributária, inclusive de recursos naturais não renováveis, resta ainda mais cristalina quando se observa que o Estado do Pará, onde a exportação de minerais ganha destaque, segundo dados oficiais do DNPM, recebeu em contrapartida tributária o correspondente apenas a 3% do valor da produção mineral desenvolvida em seu território.

Em outro dizer, a economia brasileira apóia parcela considerável do seu equilíbrio macroeconômico na relação de troca que estabeleceu, por exclusiva opção de política fiscal, entre, de um lado, desoneração tributária, e de outro, a exportação de recursos naturais não renováveis. Abre-se mão de recursos tributários para que o país possa, aproveitando a demanda mundial por metais e minérios, especialmente na Ásia, exportar estes recursos naturais, gerando, assim, condições macroeconômicas mais positivas.

A alta concentração do superávit de balança comercial apenas em uma empresa gera uma indesejada vulnerabilidade ao país, na medida em que deixa a economia brasileira praticamente à deriva de problemas eventualmente enfrentados por este empresa, mesmo quando inevitáveis, como ocorre agora, quando a empresa é praticamente obrigada a reduzir as suas atividades por conta da desaceleração mundial.

Sorte do país que a Vale é internacionalmente reconhecida pelo profissionalismo e competência de sues gestores, o que, no entanto, não deveria impedir que a nossa classe política fizesse uma reflexão sobre o acerto de uma política fiscal ancorada na ampla desoneração tributária da atividade de exportação de recursos naturais não renováveis.