Os Juros da (de) mora

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 01.09.2009

 

Já virou rotina os Governos federal e estaduais promoverem anistias e programas especiais de parcelamento com o objetivo de receber pelo menos parte do enorme estoque de créditos tributários lançados contra os contribuintes brasileiros. O resultado destas tentativas tem sido pífio, seja em face da alta carga tributária imposta sobre o setor produtivo brasileiro, seja especialmente pelo elevado nível de acréscimos que incidem sobre o montante principal da dívida tributária.

No Brasil, temos ainda multas tributárias que superam cem por cento do valor do imposto devido. Além das penalidades, incidem juros desde o vencimento da dívida que, em tempos recentes, chegaram a vinte por cento ao ano.

No que tange às multas, os Tribunais já começam a proferir decisões reconhecendo o seu caráter confiscatório e desarrazoado, reduzindo-as ao patamar de vinte por cento, o que deveria sensibilizar o legislador a produzir uma legislação tributária mais consentânea com a realidade de estabilidade econômica que o país vive. No entanto, em matéria de tributação, os legisladores brasileiros, de todos os níveis, infelizmente limitam-se a obedecer aos desígnios do Poder Executivo.

Os juros, no entanto, são o grande encargo que o contribuinte brasileiro tem que suportar e constituem uma relevante parcela do estoque de dívida ativa que os Governos cobram do contribuinte brasileiro. Ao contrário da multa, que não sofre indexação, ou seja, seu valor fica nominalmente o mesmo com o passar do tempo, os juros aumentam mensalmente a dívida do contribuinte com o Fisco.

Normalmente, o processo de exigência de tributos se inicia com o lançamento (auto de infração) e não tem data para acabar. Enquanto o contribuinte se defende administrativa e judicialmente da imposição fiscal que lhe foi feita, o Fisco cobra-lhe juros de mora, aumentando substancialmente a dívida tributária, o que é juridicamente questionável.

Segundo o Código Tributário Nacional (art. 161), o crédito tributário não pago no vencimento deve ser acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta. O Código Civil (art. 396), por outro lado, estabelece que “não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”.

A conciliação das duas regras jurídicas, aliada à garantia constitucional da duração razoável do processo, permite concluir que o contribuinte não pode suportar a cobrança de juros de mora durante o período em que a demora não decorreu de fato a ele imputável, como ocorre durante o tempo em que o processo de cobrança fiscal fica parado nos escaninhos das repartições administrativas ou judiciais por pura inércia do credor (Fazenda Pública).

Se o Poder Público (credor), a quem cabe dar andamento ao processo administrativo e judicial de lançamento e cobrança de créditos tributários, é negligente e desidioso no cumprimento deste dever jurídico, não pode locupletar-se com a cobrança de juros de mora durante o período de sua inércia.

O que ocorre atualmente é que o Fisco leva anos para concluir um processo administrativo ou judicial de cobrança de uma dívida fiscal e remunera-se com juros pela demora na definição deste processo. Vale dizer, o contribuinte vem tendo que pagar juros de mora por um fato ou omissão que não lhe cabe, em flagrante contrariedade a citada regra do Código Civil.

No plano federal, a lei prevê que a decisão no processo administrativo fiscal deve ser proferida no prazo máximo de 360 dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos do contribuinte. Razoável sustentar que se o Fisco descumpre este prazo, incorre em mora e, portanto, não pode exigir juros do contribuinte a partir deste momento. O mesmo raciocínio pode ser aplicado analogicamente ao processo judicial de cobrança de dívidas tributárias quando este fica anos parado por negligência do credor que ainda se beneficia da incidência de juros durante este período.

O Fisco não pode cobrar juros quando a demora é do próprio aparelho estatal. A mora que justifica a cobrança de juros do contribuinte somente há de ser aquela derivada de fato ou omissão a ele imputável, o que nem sempre ocorre.