Retrocesso Autoritário

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 22.02.2010

 

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária expediu regulamentação sobre o comércio varejista de medicamentos que expõe a face mais retrógrada e autoritária de um conjunto de burocratas que desejam impor as próprias vontades a milhares de consumidores e empreendedores brasileiros.

As novas normas determinam que remédios, mesmo aqueles sem prescrição médica, fiquem atrás do balcão das farmácias, longe do alcance dos consumidores, e proíbem estes estabelecimentos de prestar serviços (como pagamento de contas de luz e venda de cartões telefônicos), bem como de vender bebidas e comidas.

A justificativa para esconder os medicamentos do alcance dos consumidores é o suposto incentivo à automedicação resultante da sua exposição em gôndolas. Na perspectiva daqueles que comandam a Anvisa, o consumidor brasileiro é alguém com reduzida ou nenhuma capacidade mental de avaliação quanto aos efeitos nefastos da automedicação, daí porque precisa ser tutelado pelos iluminados da agência regulatória.

Seguindo a mesma trilha de pensamento, talvez devamos esperar que outros órgãos do Governo (quiçá a própria Anvisa) proíbam também os supermercados de expor bebidas alcoólicas em prateleiras ao alcance do consumidor, já que, ainda na premissa daqueles que comandam aquela agência, esta exposição estaria estimulando e facilitando o alcoolismo. É razoável supor que o consumidor que desconhece o efeito nefasto da automedicação é o mesmo que também desconhece o malefício do consumo do álcool.

Por trás da nova regulamentação, está uma visão autoritária do exercício do poder regulatório, pautada no desejo incontido de cuidar do consumidor brasileiro, tratando-o como um incapaz que não consegue discernir o certo do errado e por isso precisa da indispensável tutela do Governo.

As normas desconhecem a realidade de milhares de farmácias do interior do Brasil que prestam um importante serviço ao consumidor no que tange à venda de cartões telefônicos e serviços de correspondente bancário. Na visão da agência, como precisa ser tutelado quanto à aquisição de medicamentos, o consumidor deve perder a comodidade de pagar suas contas e comprar créditos para seu telefone celular nas farmácias.

Do ponto de vista jurídico, as regras são manifestamente inconstitucionais porque criam deveres e obrigações (com imposição de pesadas sanções) sem qualquer apoio na lei. Desconhecem que a Constituição Federal assegura a todos o livre exercício da atividade econômica, independentemente da autorização de órgãos públicos, salvo os casos expressos em lei.

No caso, a atividade econômica exercida pelas farmácias é regulada pela Lei nº 5.991/73, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e não impõe a elas qualquer das restrições que a Anvisa pretende exigir por meio de simples Portarias e Instruções Normativas. Logo, se pretende impor novos deveres, a Anvisa deve obter a autorização dos representantes do povo reunidos no Congresso Nacional e não pretender substitui-los na prerrogativa constitucional de definir os espaços de liberdade que a Constituição assegura.

Segundo a Lei nº 9.782/99, a finalidade da Anvisa é a promoção da saúde da população por meio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária. A competência da referida Agência se restringe à fiscalização sanitária de toda a produção, distribuição e comercialização de produtos e serviços relacionados à saúde, sendo certo que tal competência não contempla a regulação de atividade econômica.

As agências são órgãos de fiscalização e controle e não são dotados de competência normativa para inovar a ordem jurídica, criando deveres e obrigações não previstas em lei. As regras expedidas pelas agências devem se limitar ao exercício de suas funções, sendo-lhes vedado estabelecer comandos de conduta não autorizados pelo legislador.

É lamentável registrar que a agência tente justificar a validade das novas regras em operações de fiscalização acompanhadas pelos holofotes da mídia, registrando a apreensão de supostos medicamentos falsos nas farmácias. O combate a esta prática ilegal não deveria ser bissexto e oportunista, mas prática diária da Agência, já que esta é sua função primordial.

Resta ao consumidor brasileiro confiar no bom senso e no critério jurídico de seus Magistrados.