Extrafiscalidade e recursos naturais

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 05.04.2010

 

O Brasil ainda utiliza muito timidamente a função extrafiscal da tributação. Os tributos não têm por finalidade apenas retirar recursos da sociedade, transferindo-os para os Governos para que estes possam satisfazer as necessidades coletivas, através de obras e serviços públicos.

Além da clássica função arrecadatória, os tributos constituem importante ferramenta para o alcance de objetivos definidos no âmbito das políticas econômica, social, ambiental e até cultural. É o que a doutrina jurídica denomina de extrafiscalidade ou função extrafiscal dos tributos, ou seja, a utilização do poder tributário para induzir ou reprimir condutas desejas ou indesejadas pelas políticas públicas.

Um campo propício para o exercício da função extrafiscal dos tributos é a questão ambiental. O sistema jurídico brasileiro não utiliza como deveria o poder indutor dos tributos na direção dos objetivos definidos no âmbito da política de desenvolvimento sustentável do país. Os exemplos desta afirmação podem ser encontrados em todos os setores econômicos e em todos os tributos.

O Brasil durante muitos anos teve como objetivo de política econômica a geração de superávits de conta corrente. Era preciso exportar para acumular reservas internacionais e, assim, proteger a moeda e a economia nacionais de crises externas ancoradas em desequilíbrios na balança de pagamentos do país.

Como subproduto deste objetivo de política econômica, o sistema tributário trilhou o caminho da desoneração e do incentivo às exportações, foram adotados desde incentivos financeiros (créditos e estímulos fiscais) até a isenção completa dos tributos que incidem sobre as operações de comércio exterior, notadamente o imposto sobre produtos industrializados – IPI, o ICMS e o PIS/COFINS. As empresas exportadoras lutam ainda na Justiça, com razoáveis chances de êxito, para que o lucro decorrente das exportações seja protegido da incidência da contribuição social sobre ele incidente.

Seria uma sandice pensar em simplesmente resgatar todo o sistema de imposições tributárias sobre as exportações, tratando-as como operações ocorridas no mercado interno, até porque nenhum sistema tributário do mundo civilizado age desta maneira. Não se pode esquecer que a maior inserção do país no comércio internacional continua sendo um importante objetivo de política econômica.

No entanto, não me parece despropositado pensar em uma revisão do regime geral de desoneração tributária das exportações apenas e especificamente no que tange aos recursos naturais não renováveis, isto é, riquezas naturais que o país atualmente exporta livre de tributos, privando as gerações futuras do gozo dos benefícios daí derivados.

O valor da economia do futuro, isto já está claro para todos, residirá na ciência e tecnologia (produto do grau de avanço educacional das sociedades) e na quantidade e qualidade dos recursos naturais que disporá para sustentar o seu desenvolvimento. Mais valerá crescer menos, e de forma sustentável, durante mais tempo, do que um crescimento acelerado apoiado no esgotamento dos recursos naturais.

Além de expressivos números na balança comercial, importantes, mas já nem tanto, para a macroeconomia do país, qual a outra recompensa que o país recebe pela absoluta desoneração tributária de recursos naturais não renováveis? No momento em que o país se prepara para a renovação dos seus comandantes políticos, é chegada a hora de esta questão ser colocada ao debate público.

Porque não se pensar em instituir uma incidência tributária sobre a exportação de recursos naturais não renováveis cujos recursos sejam totalmente vinculados a programas educacionais, ambientais e de ciência e tecnologia e geridos por um conselho formado por representantes de toda a sociedade (União, Estados, Municípios e membros da sociedade civil) para evitar o entesouramento que ocorre hoje em outros fundos públicos?

Esta incidência tributária não teria o objetivo de arrecadar, mas explicitamente de desestimular a exportação de riquezas naturais não renováveis das quais a sociedade brasileira do futuro não mais poderá dispor. Este é um tema que interessa, sobretudo, aos brasileiros de amanhã e deveria ser levado a sério por quem comanda o Brasil hoje.