Imposto de renda sobre depósitos bancários

**Texto publicado no jornal O Liberal em 01.10.2015

Vem de muito tempo a pretensão das autoridades fiscais de exigir imposto de renda (e contribuições – PIS/COFINS e sobre o lucro – no caso de pessoas jurídicas) sobre meros depósitos bancários de origem não comprovada nos termos do entendimento oficial. Atualmente a Lei 9.430/96 (art. 42), de duvidosa constitucionalidade, alberga norma jurídica que autoriza aquela pretensão fiscal.

Com fulcro na citada norma, os contribuintes são intimados para apresentar justificativas (documentação hábil) quanto à origem dos recursos movimentados em conta corrente. Em muitos casos, a autoridade fiscal acessa diretamente a conta bancária do contribuinte e o intima para apresentar explicações, o que traz à luz o tema do sigilo de dados e da privacidade, garantias constitucionais asseguradas no Brasil ao contribuinte.

A tradição jurisprudencial brasileira é no sentido de entender que a conta bancária representa uma projeção da privacidade, da intimidade e do sigilo de dados do contribuinte, espaços de liberdade insuscetíveis de serem alcançados pelo Poder Público (sobretudo quando se trata de ação de natureza inquisitória ou punitiva).

Esta inviolabilidade submete-se, contudo, ao princípio da reserva de jurisdição, ou seja, cabe ao Poder Judiciário, analisando as circunstâncias do fato concreto, previamente, formular um juízo de proporcionalidade, necessidade e razoabilidade acerca do pretendido acesso aos dados bancários do contribuinte por parte da autoridade fiscal. Não são poucos os casos em que o procedimento administrativo de acesso a contas bancárias é cancelado pelo Poder Judiciário pois fundado em prova ilícita.

Inúmeros são os casos em discussão no Poder Judiciário sobre o tema. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral da disputa. Trata-se do Recurso Extraordinário (RE) 855649, de relatoria do ministro Marco Aurélio, no qual um contribuinte questiona a validade da tributação.

O Fisco entende que a simples existência de depósitos bancários não comprovados adequadamente pelo contribuinte o autoriza a exigir imposto de renda e demais contribuições (no caso de pessoa jurídica), apoiado na presunção de que os respectivos valores significam renda (acréscimo patrimonial).

Do lado do contribuinte, coloca-se o tema do sigilo bancário. O Supremo Tribunal Federal tem assentada jurisprudência no sentido de que o acesso a dados bancários somente é possível com a autorização judicial previa, analisadas as justificativas apontadas pela autoridade fiscal.

Assim, o acesso direto e indiscriminado as informações bancárias do contribuinte pelo Fisco agridem frontalmente o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, tornando viciado o procedimento fiscal que tenha embasado o lançamento tributário, porque assentado em prova obtida por meio ilícito.

Em segundo lugar, o imposto de renda constitucionalmente incide sobre acréscimo patrimonial disponível, conceito que pressupõe o resultado de entradas (receitas) e saídas (despesas). Não há́ no nosso sistema jurídico constitucional autorização para o legislador tributário estabelecer tributação sobre meros créditos em contas correntes bancárias, ainda que de origem não justificada.

O mesmo se aplica as contribuições (PIS/COFINS) exigidas das pessoas jurídicas como decorrência de depósitos bancários não comprovados. Estas contribuições incidem sobre receitas do contribuinte e não sobre créditos em conta bancária, conceitos jurídicos e contábeis inconfundíveis.

Meros créditos em conta corrente bancária, ainda que sem justificativa apresentada pelo contribuinte, constituem apenas indícios de fatos reveladores de capacidade contributiva, daí porque não podem, por si só́, juridicamente embasar a exigência de imposto de renda e contribuições. Cabe à autoridade fiscal tomá-lós tão somente como ponto de partida para a fiscalização no bojo da qual outros elementos devem ser demonstrados como necessários para a prova da efetiva existência de rendimentos/receitas a serem tributados.

Portanto, considerando que a existência de conta bancária é algo presente na vida da maioria dos contribuintes, é importante manter atenção ao pronunciamento que o Supremo Tribunal Federal fará sobre o tema.