SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA NO ICMS

** Texto publicado no jornal O Liberal em 17.10.2016

Os já combalidos cofres dos Estados brasileiros podem em breve sofrer um novo e importante impacto negativo. Trata-se do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da sistemática de substituição tributária no ICMS, técnica tributária amplamente adotada pelos Fiscos estaduais para uma grande gama de produtos, tais como medicamentos, combustíveis, automóveis, entre outros.

A substituição tributária constitui técnica de tributação através da qual a lei impõe a um agente econômico o dever de antecipar o tributo que será devido pelos demais agentes da cadeia de comercialização da mercadoria. Vale dizer, a lei presume que um fato gerador vai ocorrer no futuro e impõe, desde logo, o dever a um contribuinte (substituto) de recolher antecipadamente o tributo correspondente à operação que no futuro será realizada por outro contribuinte (substituído).

A substituição tributária apoia-se em uma presunção legal de que ocorrerá uma operação tributada pelo imposto na fase seguinte da cadeia econômica, ou seja, presume-se que um fato gerador ocorrerá no futuro e o imposto a ele relativo deve ser recolhido antecipadamente.

Como não se conhece previamente a base de cálculo da operação futura (presumida), a lei fixa uma base de cálculo presumida, arbitrada, através das chamadas margens de agregação de valor. Vale dizer, a lei presume que durante a cadeia de comercialização, a mercadoria sofre majorações no seu valor pelos agentes econômicos, as quais passam a ser consideradas como base tributável pelo ICMS que deve ser recolhido antecipadamente.

Desde que foi instituída pelos Fiscos estaduais, a substituição tributária sempre foi objeto de questionamento pelos contribuintes sobretudo porque, não raro, o fato gerador futuro (presumido) ou não ocorre ou ocorre em valores abaixo daquele que foi presumido pela lei para efeito do recolhimento antecipado.

A fim de evitar maiores questionamentos, o Fisco, em 1993, através da Emenda Constitucional 3, incluiu na Constituição Federal a possibilidade de substituição tributária, ao estabelecer que “a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”

Como se pode observar, a Constituição Federal garantiu expressamente ao contribuinte o  direito a imediata e preferencial restituição da quantia paga antecipadamente, em razão da substituição tributária, caso o fato gerador presumido não se realize no futuro.

Os Fiscos, no entanto, interpretam restritivamente este dispositivo para negar ao contribuinte o direito a restituição do imposto antecipado quando a base de cálculo presumida tiver sido maior do que a efetivamente realizada, ou seja, os Fiscos não reconhecem ao contribuinte o direito a restituição quando o contribuinte substituto tiver recolhido o ICMS correspondente a uma operação futura (presumida) adotando uma base de cálculo maior do que a que realmente ocorreu.

Esta é uma questão de alta indagação jurídica porque significa decidir se ao adotar o regime de substituição tributária a lei transforma o ICMS de imposto multifásico em monofásico. Se multifásico, necessário é observar as bases de cálculo das operações subsequentes àquela do recolhimento antecipado pelo contribuinte substituto. Se monofásico, descabe cogitar o que acontece nas operações subsequentes, à exceção, evidentemente, da não ocorrência do fato gerador, hipótese tratada pela Constituição Federal, caso em que é garantido o direito a restituição do valor correspondente ao fato gerador não realizado.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 593849, com repercussão geral reconhecida, no qual se discute questão referente à restituição de valores pagos a mais pelo contribuinte em regime de substituição tributária do ICMS. Após o voto do relator do recurso, ministro Edson Fachin, que se manifestou favoravelmente ao contribuinte, o julgamento foi suspenso.

Em seu voto pelo provimento do recurso, o relator, ministro Edson Fachin, afirmou que “a tributação não pode transformar uma ficção jurídica em uma verdade absoluta, tal como ocorreria se o fato gerador presumido tivesse caráter definitivo, logo, alheia à realidade extraída da realidade do processo econômico”. O ministro também propôs a modulação dos efeitos da decisão, caso saia majoritária sua posição no Plenário, a fim de minimizar o impacto da mudança de entendimento da Corte. A proposta é que os efeitos da decisão se restrinjam às ações judiciais pendentes e aos casos futuros, após a fixação do entendimento, a fim de permitir o realinhamento das administrações tributárias.

A decisão a ser tomada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da substituição tributária poderá mudar substancialmente o ICMS no Brasil e iniciar um profundo processo de reforma neste que é o principal imposto dos Estados.