Da inexistência da cobrança do ICMS no adicional de deslocamento nos serviços de telefonia móvel

“Da inexistência da cobrança do ICMS no adicional de deslocamento nos serviços de telefonia móvel”, em co-autoria com Armênio Lopes Correia, in “DIREITO TRIBUTÁRIO DAS TELECOMUNICAÇÕES”, São Paulo, Abetel/IOB Thomson, 2004, obra coletiva coordenada por Heleno Taveira Tôrres.

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente texto aborda o debate acerca das questões jurídicas relativas à validade da exigência por parte dos Estados de ICMS sobre a verba denominada “Adicional de Deslocamento nos Serviços de Telefonia Móvel”. Tais serviços têm sido, em nosso entender, indevidamente enquadrados como serviços de comunicação para o efeito de incidência do ICMS, quando, na realidade, não preenchem os requisitos legais e constitucionais necessários a tal configuração jurídico-tributária.

2. DO CONCEITO DE ADICIONAL DE DESLOCAMENTO NA TELEFONIA MÓVEL

A telefonia celular é um sucesso nacional e prova disso é que o Brasil já ocupa o sétimo lugar no maior parque de terminais móveis do mundo. O número de terminais celulares já ultrapassa o número de linhas fixas, devendo atingir, em 2004, cerca de 60 milhões de aparelhos celulares, enquanto os terminais fixos devem permanecer no mesmo patamar do ano de 2003, próximo a 40 milhões de linhas.

Um dos fatores que contribuem para esse sucesso é a possibilidade do usuário poder sair para qualquer lado do Brasil ou do mundo, sempre na companhia do seu celular. Em termos técnicos significa a possibilidade do cliente se deslocar de uma cidade para outra, ou seja, para fora da área em que está registrado o celular, passando a utilizar-se do serviço de Roaming, consistindo na transferência (automática ou programada) de uma área para outra, a fim de que o aparelho funcione. Para que isso ocorra é necessário que haja interligações entre as diversas operadoras, no sentido de que o assinante possa utilizar os serviços de outra, como visitante (Roamer).

Pelo exposto, o serviço de Roaming possibilita ao assinante fazer e/ou receber chamadas telefônicas mesmo quando geograficamente fora de sua área de registro. Nos casos em que o cliente encontra-se deslocado para uma área de prestação de serviços de outra operadora (que não aquela com a qual o cliente possui vínculo contratual), uma vez que cada concessionária está limitada a operar apenas na sua área de concessão, dar-se-á a figura do Roaming Nacional.

Assim, por exemplo, se um assinante de uma operadora de Belo Horizonte se deslocar para Porto Alegre, todas as ligações originadas ou recebidas por este assinante deslocado serão realizadas pela operadora visitada, bastando para tanto acordo operacional de Roaming nacional entre as operadoras envolvidas.

Em virtude da prestação de tais serviços – Roaming nacional a operadora visitada, em conformidade com a regulamentação do setor, exige da operadora de origem, responsável pelo faturamento junto ao seu cliente, os valores devidos pela utilização do serviço e do Adicional de Deslocamento ou Adicional por Chamada ou simplesmente AD.

Para as operadoras de telefonia celular que continuam enquadradas no Serviço Móvel Celular (SMC) o item 2.8 da Norma ANATEL 23/96 assim dispõe:

Adicional por Chamada: item de Plano de Serviço, correspondente ao valor devido pelo Assinante à Concessionária SMC por chamada recebida ou originada fora dos limites da Área de Mobilidade definida no Plano de Serviço a que o Assinante está vinculado.”

Para as celulares já sujeitas ao Serviço Móvel Pessoal (SMP) o item I do artigo 3º do Regulamento do SMP – Anexo à Resolução n° 316, de 27 de setembro de 2002 assim definiu:

Adicional por Chamada: AD: valor fixo cobrado pela Prestadora de SMP, por chamada recebida ou originada, quando o Usuário estiver localizado fora de sua Área de Mobilidade.”

Percebe-se por ambas as legislações que o Adicional de Deslocamento foi criado como forma de remunerar as redes visitadas por disponibilizar os seus sistemas para uso do usuário viajante. Como o beneficiário não é um cliente permanente e, portanto, não tem vínculos com a Prestadora visitada, criou-se a figura do Adicional de Deslocamento que remunera a cada chamada recebida ou originada pelo visitante a disponibilização daquela rede.

Pela sistemática atual, os valores são fixados pela operadora visitada, por cada ligação originada ou recebida, e independentemente da duração da ligação.

Configura-se assim o Adicional de Deslocamento como um valor fixo que não possui qualquer vinculação com a relação comunicativa estabelecida entre as partes.

Pois bem, conceituado o Adicional de Deslocamento, tecemos abaixo nossos comentários quanto à inexigibilidade da cobrança do ICMS sobre esses serviços.

2. O ICMS SOBRE OS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES

O artigo 155, II da Constituição Federal constitui a norma de competência que faculta aos Estados e ao Distrito Federal a instituição de imposto sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e prestações se iniciem no exterior – ICMS.

No entanto, a Constituição Federal não definiu estipulativamente o sentido normativo do termo “serviço de comunicação”, fato imponível da citada incidência tributária, de modo que a busca de tal sentido exige do intérprete/aplicador do direito a consideração das previsões normativas constantes da Lei Complementar, definidora das regras jurídicas necessárias à exigência do tributo em tela.

Ao disciplinar a incidência do ICMS sobre as prestações de serviços de comunicação, a Lei Complementar n° 87/96, em seu artigo 2°, inciso III, assim dispõe:

“Art.2° – O imposto incide sobre:

III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”.

Seguindo a mesma disposição do artigo 2°, inciso III, acima transcrito, o artigo 12, inciso VII, da referida Lei Complementar n° 87/96, determinou o momento da ocorrência do fato gerador:

Art.12 – Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

VII – das prestações onerosas de serviços de comunicação, feita por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”.

Depreende-se pela leitura dos artigos acima que, para que ocorra a tributação do ICMS, são necessárias três condições básicas:

  • A prestação de serviços de comunicação deverá ser onerosa;
  • A necessidade de qualquer meio entre o emissor e o receptor interligando as partes;
  • O objeto é a comunicação de qualquer natureza.

A materialidade da hipótese de incidência da exação é bem caracterizada por Roque Antonio Carazza (FALTA INCICAÇÃO DA FONTE DA CITAÇÀO), verbis:

Note-se que o ICMS não incide sobre a comunicação propriamente dita, mas sobre a ‘relação comunicativa’, isto é, a atividade de, em caráter negocial, alguém fornecer, a terceiro, condições materiais para que a comunicação ocorra. Mas não apenas isso: é mister, ainda, que a mensagem seja captada pelo destinatário (fruidor) do serviço. Isto é feito mediante a instalação de microfones, caixas de som, telefones, rádio-transmissores, centrais, terminais, linhas de transmissão, satélites, etc. Tudo, enfim, que faz parte da infra-estrutura mecânica, eletrônica e técnica necessária à comunicação. Noutras palavras, o serviço de comunicação tributável por meio do ICMS exige, preliminarmente, a colocação, à disposição do usuário, dos meios e modos necessários à transmissão e recepção de mensagens. E, depois, é claro, que a comunicação se complete (ou, pelo menos, que esteja potencialmente apta a completar-se) porque, afinal, o que se tributa, no caso, não é a simples contratação do serviço. De fato, o ICMS sobre serviço de comunicação – como, de resto, qualquer imposto que nasce da prestação de serviços (‘v.g.’, o ISS) – só incide depois da concreta (real, efetiva) prestação do serviço.”.

Portanto, no quadro normativo vigente, apenas podem ser objeto de incidência do ICMS os serviços de comunicação que são prestados onerosamente como meio para que o usuário (emissor da mensagem) possa acessar um terceiro (destinatário).

O objetivo da disciplina jurídico-tributária é captar a manifestação do fato econômico subjacente à relação onerosa que se estabelece através da disponibilização dos meios necessários ao estabelecimento da relação comunicativa, por parte da empresa concessionária a quem o usuário (Assinante) está contratualmente ligado.

3. 0 ICMS E O Adicional de Deslocamento nos Serviços de Telefonia Móvel

Conforme retro exposto, no contexto do problema ora analisado, o fato tributável pelo ICMS é a contraprestação devida pelo usuário – à operadora de telefonia móvel a qual está vinculado contratualmente – pelo fato de esta lhe permitir através de um telefone móvel comunicar-se com outrem.

Como é sabido, a prestação dos serviços de telefonia móvel no Brasil é realizada através de diferentes empresas concessionárias, cujas áreas de atuação são definidas geograficamente através de regulamentação específica, que não cabe neste contexto analisar.

O importante é observar que em razão da citada divisão geográfica, as empresas de telefonia móvel obrigam-se, contratualmente, perante os seus usuários a prestar, em princípio, sem custo adicional, apenas serviços de comunicação dentro de sua área de atuação ou área de mobilidade.

No entanto, em razão do princípio da universalidade que norteia a prestação dos serviços de telecomunicações, as empresas de telefonia, titulares do direito de exploração dos serviços em diferentes áreas de mobilidade dentro do território nacional, devem procurar a integração operacional de modo que um usuário vinculado contratualmente a uma concessionária possa utilizar os serviços com ela contratados mesmo estando de fora da área de atuação desta.

Para que tal ocorra, no entanto, as empresas de telefonia móvel firmam acordos contratuais que permitem a mútua utilização de suas respectivas redes de comunicação, de modo que o usuário, ao fim e ao cabo, possa se utilizar de serviço de telefonia móvel dentro de todo o território nacional, mesmo estando vinculado contratualmente a apenas uma empresa, com área de atuação circunscrita, normalmente aquela com direito de exploração sobre a cidade de domicílio do usuário.

Ocorre que as empresas de telefonia móvel exigem do usuário a elas vinculado o custo contratual pertinente à utilização, por este, da rede de telecomunicações de outra empresa. Vale dizer, caso o usuário deseje utilizar o serviço móvel celular fora da área de mobilidade definida contratualmente com a empresa de telefonia a qual está vinculado contratualmente, deve pagar uma contraprestação adicional por tal fato.

Em outro dizer, para prestar o serviço de telecomunicação requerido por um usuário fora da sua área de mobilidade, a empresa de telefonia a qual o usuário está vinculado contratualmente (chamamos CONCESSIONÁRIA 1), utiliza-se, como meio adicional, da rede de telecomunicação de outra empresa (denominamos CONCESSIONÁRIA 2), e cobra o respectivo custo do seu usuário (tomador do serviço de comunicação), através do chamado Adicional de Deslocamento.

Assim, para que a empresa de telefonia móvel a qual o usuário está vinculado (CONCESSIONÁRIA 1) preste ao usuário o serviço de comunicação por ele requerido necessita contratar com outra empresa (CONCESSIONÁRIA 2) o direito de utilizar a rede de telecomunicação desta, repassando ao seu usuário o respectivo custo.

Esta verba, mero repasse de custo pela utilização da rede de telecomunicações alheia, imposta em nome do caráter universal dos serviços, caracteriza contraprestação de serviço de comunicação, a permitir a incidência de ICMS sobre ela? Acreditamos que não.

O ICMS é tributo que incide sobre a contraprestação do serviço de comunicação, prestado, no caso ora analisado, pela empresa de telefonia móvel aos usuários com os quais mantém contrato de prestação de serviços de telecomunicações. Vale dizer, aquele tributo deve incidir apenas sobre o valor que esta empresa efetivamente aufere pelo serviço de comunicação prestado ao usuário. Os meios, e os respectivos custos, que a CONCESSIONÁRIA 1 assume para que o serviço de comunicação seja prestado ao seu usuário evidentemente não representam contraprestação de serviço de comunicação que se revele apto a sofrer a incidência tributária pelo ICMS.

Na hipótese de a empresa contratada pelo usuário (CONCESSIONÁRIA 1) necessitar utilizar a rede de telecomunicações de outra empresa de telecomunicações (CONCESSIONÁRIA 2), para atender àquele usuário, entre estas duas empresas ocorre outra relação jurídica, de natureza contratual diversa, inconfundível com a aquela subjacente à prestação de serviço de comunicação entre o usuário e a concessionária 1 a qual está vinculado juridicamente.

O serviço de comunicação desenvolve-se entre o usuário e a prestadora com qual o mesmo está juridicamente vinculado através de um contrato de prestação de serviços de telefonia móvel. O fato de as normas de regulação do setor admitirem que a prestadora repasse ao usuário o custo adicional que ela tem com a utilização de redes de telecomunicações de propriedade de terceira prestadora não transforma tal valor em contraprestação de serviço de comunicação.

A base de cálculo do ICMS deve ser em qualquer caso, a contraprestação do serviço de comunicação prestado, excluídos de verbas que representam custos adicionais da operadora e que apenas são repassados ao usuário, por força de expressa autorização das normas regulamentares.

A base de cálculo tributária, na lição de Paulo de Barros Carvalho (Curso de Direito Tributário, 13ª ed., Saraiva, 2000, p. 324), “tem a virtude de confirmar, infirmar ou afirmar o critério expresso na composição do suposto normativo”. No caso ora analisado, a base de cálculo da incidência deve expressar apenas a quantificação econômica do serviço de comunicação prestado pela operadora, excluídos valores que representam, na realidade, meros encargos adicionais, decorrentes da prestação territorialmente fragmentada do serviço pelo território nacional.

Repita-se: o vínculo jurídico que embasa a prestação do serviço de comunicação existe apenas entre o usuário e a prestadora a qual está vinculado. O usuário não toma qualquer serviço de comunicação da operadora visitante (concessionária 2), e com esta não estabelece qualquer relação jurídica, ä fortiori” relativa à tomada de serviço de comunicação.

Exemplo do que se está afirmando está na circunstância de que o usuário quando utiliza o serviço de telefonia móvel fora da sua área de mobilidade sequer sabe qual a empresa titular da rede de telecomunicações através da qual será conduzida a sua ligação; esta definição é feita pela operadora a qual o usuário está vinculado contratualmente, a confirmar a afirmação de que o custo adicional da ligação feita fora da área de mobilidade, assumido pelo usuário, por imposição regulatória, a rigor, constitui mero repasse do custo de utilização, pela empresa prestadora com a qual o usuário mantém a relação contratual, da rede de telecomunicação de titularidade da prestadora titular da área visitada.

Nesta circunstância diz-se que:

  1. entre o usuário e a concessionária de telefonia móvel (CONCESSSIONÁRIA 1) há vínculo contratual concernente à prestação de serviço de comunicação, cuja expressão econômica deve constituir a base de cálculo do ICMS;
  2. entre o usuário e concessionária de telefonia móvel-meio (CONCESSIONÁRIA 2), não há qualquer relação jurídica, contratual ou mesmo comunicativa;

b.1) o valor que o usuário paga a título de adicional de deslocamento constitui mero repasse do custo da prestadora, a qual ele está vinculado contratualmente (CONCESSIONÁRIA 1), com a utilização da rede de telecomunicação de outra prestadora (CONCESSIONÁRIA 2);

  1. entre a CONCESSIONÁRIA 1 e a CONCESSIONÁRIA 2 há relação contratual, imposta pelas normas regulatórias pertinentes, através da qual a segunda cede à primeira o direito de utilizar a sua (da segunda) rede de telecomunicações na prestação de serviços de comunicação aos seus usuários.

c.1) em razão deste vínculo contratual, e autorizada pelas normas regulatórias pertinentes, a empresa cessionária adquire o dever de cobrar de seus usuários o custo desta cessão, através do chamado adicional de deslocamento, e repassá-lo à empresa cedente.

O serviço de comunicação se estabelece efetivamente entre o usuário e a concessionária 1 (a qual ele está vinculado contratualmente). Um aparelho de telefonia móvel sem habilitação perante uma rede de telefonia móvel, cuja área de atuação é definida geograficamente, não tem qualquer valia. De modo que ao deslocar para uma área de mobilidade diferente daquela que lhe está disponível pela sua operadora (CONCESSIONÁRIA 1), o usuário que pretender a prestação de um serviço de comunicação, via telefone móvel, deve acessar a rede a que está vinculado contratualmente. É neste momento que se define o serviço de comunicação, captado pela regra tributária; é sobre a contraprestação deste serviço que deve incidir o ICMS.