Novo paradigma fiscal

Estou convencido de que vivemos no Brasil um momento de crise na relação entre Fisco e contribuinte. O gigantesco aumento da carga tributária nos últimos anos e o correspondente e diretamente proporcional aumento do nível de evasão fiscal são sinais nítidos desta crise, que, infelizmente, parece ainda não ter sido percebida pelos governantes de plantão.

Sem entrar no debate quanto às causas desta crise, parece-me que a mesma exige uma mudança de paradigma na relação tributária. Modernamente, o poder tributário sempre esteve apoiado nos conceitos de imposição, intimidação e repressão, características, aliás, de uma etapa evolutiva no modo de conceber o próprio fenômeno jurídico. Neste sentido, o tributo é indelevelmente marcado pelo viés autoritário da compulsoriedade, sem conexão com a sua fundamentação ética, republicana e materialmente democrática.

A matriz desta concepção está na justificativa racional segundo a qual o tributo constitui o principal meio de financiamento das atividades estatais e, para tanto, todos devem ser compulsoriamente obrigados a contribuir, ameaçados e punidos severamente caso ousem descumprir este dever.

Apesar de o Estado necessitar da receita tributária para a sua própria existência material, esta justificativa não tem impedido uma crescente perda da eficácia social da norma tributária. Vale dizer, as intimidações, as sanções tributárias draconianas – que de patrimoniais passaram a privativas de liberdade – não se mostram aptas a  promover justiça social, tornando mais eficaz o princípio da capacidade contributiva. Pelo contrário, este modelo apoiado em sanções tem apenado via de regra somente os mais humildes e despossuídos e aumentado o grau de evasão fiscal, sobretudo no topo da pirâmide social.

Enfim, há no imaginário social a convicção de que a norma tributária é substancialmente opressiva à liberdade econômica e ao patrimônio pessoal e que o Estado – embora precise – não se faz merecedor da receita tributária.

É urgente e imprescindível uma mudança de paradigma. A política tributária tem que ser construída a partir do ponto de vista dos destinatários da norma – os contribuintes – e não do Estado, como sempre ocorreu. Vale dizer, a imposição tributária deve deixar de ser uma simples expressão de poder, e passar a ser um reflexo das expectativas e dos anseios sociais, embora não possa se transformar em uma fonte inesgotável de franquias para os mais poderosos. Para tanto, as técnicas de intimidação e repressão devem ser substituídas por técnicas de promoção, colaboração, participação e inserção do contribuinte na formulação dos caminhos da política tributária.

Ao invés de ver na norma tributária uma espada de Dâmocles sobre a sua cabeça, o contribuinte deve enxergar-se nela, ver nela um retrato, ainda que tímido, daquilo que concebe como norma tributária adequada à sua realidade. Esta mudança somente é possível com políticas públicas que permitam a ampla participação e debate das alternativas tributárias existentes, o que exige o abandono da posição de encastelamento das autoridades públicas e do resgate do ideal republicano de participação de todos na administração da coisa comum.

As questões relativas ao financiamento das despesas públicas e à escolha dos mecanismos tributários existentes devem ser acessíveis a todos, o que representa uma tendência oposta à burocratização que estes temas sofrem no Brasil hodiernamente. O grau de aceitação popular (e de eficácia social) de qualquer política tributária depende da compreensão pelos destinatários da norma tributária – os contribuintes – quanto à adequação, necessidade e justiça da imposição tributária eleita.

O Direito moderno – através do qual a política tributária é instrumentalizada – já não representa apenas o produto da vontade dos representantes do povo, mas também o resultado da participação direta dos atores sociais organizados, através do aprimoramento dos mecanismos de pressão social, valendo-se de técnicas de acordos, comprometimentos mútuo e ações concertadas.

O resgate da eficácia social da norma tributária – do qual depende o próprio financiamento da atividade pública – somente ocorrerá quando os governantes perceberem a necessidade da alteração de paradigma. A realidade tem demonstrado que aumento de carga tributária e de repressão fiscal apenas acirra o grau de insatisfação social com as políticas públicas nesta área. É preciso que a Administração fiscal se “abra” e discuta com a sociedade as opções de política tributária existentes, sob pena de ficar isolada “conversando consigo mesma”.

Portanto, é hora de construirmos uma nova legalidade tributária, apoiada no ideal de participação dos atores sociais, comprometimentos mútuos e concertos entre agentes econômicos e Estado (através dos contratos fiscais), técnicas que devem ser pautadas pelo interesse público e que tenham como finalidade última o resgate da legitimidade perdida pela norma tributária, fruto de um paradigma ultrapassado.