Transparência Tributária

A capacidade dos Poderes Públicos de esvaziar a normatividade de alguns comandos constitucionais é assustadora, notadamente na esfera tributária. Exemplo revelador desta infeliz tendência é o desprezo pelo comando previsto no artigo 150, parágrafo quinto da Constituição Federal, segundo o qual “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.”

Este dispositivo constitucional consagra o que a doutrina jurídica denomina princípio da transparência tributária. O objetivo deste princípio é autoexplicativo, qual seja, permitir que os consumidores (e contribuintes), em lídimo exercício de cidadania fiscal, possam conhecer a carga tributária que incide sobre os bens e serviços postos no mercado. É inegável o valor de uma política pública neste sentido haja vista a contribuição que poderia gerar ao debate social acerca das inúmeras propostas de reforma do sistema tributário brasileiro.

Através da transparência tributária o debate acerca da reforma tributária poderia deixar de ser um tema meramente para acadêmicos e burocratas – onde é constantemente alimentado – e de fato conquistar a sociedade, na medida em que esta poderia assumir condições de questionar a adequação dos rumos que os burocratas e cientistas (juristas e economistas) desenham para o sistema tributário vindouro.

E qual a política pública no sentido de tornar realidade o comando constitucional supra comentado? Nenhuma. Pelo contrário, a complexidade do sistema tributário tecnicizou excessivamente o debate relativo à política tributária (e a carga tributária incidente sobre os bens e serviços postos no mercado), tornando-o matéria apenas para apreciação de expertos.

Não se nega a dificuldade técnica de concretização do princípio da transparência tributária, haja vista a aludida colcha de retalhos (de tributos, taxas e contribuições) em que se transformou a (des)ordem tributária brasileira. Todavia, algumas medidas poderiam ser facilmente tomadas pelo legislador no sentido de operacionalizar aquele desiderato constitucional.

A legislação do ICMS, por exemplo – por se constituir no tributo circulatório por excelência responsável por 22,8% da carga tributária global (em arrecadação) – poderia albergar dispositivos inspirados no princípio da transparência tributária. Embora o princípio da não cumulatividade, no qual está inspirado aquele tributo estadual, torne quase impossível informar ao consumidor qual a carga tributária global que uma mercadoria sofre, poder-se-ia, por exemplo obrigar os produtores a inserir na própria mercadoria (como já se faz com a indicação do lote, prazo de validade, etc) a alíquota de ICMS a que a produção daquele bem está submetida.

Evidentemente que a indicação da alíquota a que a produção de um bem/mercadoria está submetida será apenas um indicador da carga tributária total sobre ele incidente, haja vista a técnica de créditos e débitos em que se embasa o ICMS, bem como os demais tributos (federais e municipais) que direta ou indiretamente constituem custo de produção. Todavia, medida neste sentido já permitirá aos consumidores conhecer e avaliar o grau de justiça da política tributária que o Estado adota para a produção deste ou daquele bem/mercadoria, contribuindo, assim, para uma almejada cidadania fiscal.

O ICMS, por exigência constitucional, deve se pautar pela seletividade, isto é, o nível de imposição tributária deve ser indiretamente proporcional à importância do bem/mercadoria produzido/comercializado para a satisfação das necessidades básicas do indivíduo. É a seletividade que justifica a tributação diferenciada entre os gêneros alimentícios de primeira necessidade e os produtos supérfluos. Tendo em vista o amplo grau de subjetivismo presente na avaliação da seletividade dos bens e mercadorias para efeito de definição da carga tributária sobre eles incidente, necessário que os consumidores possam avaliar a consonância dos critérios fiscais adotados pelo Poder Público, o que seria possível com a indicação da alíquota a que a produção dos diferentes bens/mercadorias são submetidos.

Através da transparência tributária, almejada constitucionalmente, os consumidores assumirão condições efetivas de avaliar a justiça das opções tributárias tomadas pelo Poder Público, o que, de resto, constitui uma exigência de índole democrática. É preciso que as Administrações Fiscais se “abram” ao debate democrático e discutam amplamente com a sociedade os rumos das políticas tributárias, atualmente urdidas em grande parte nos gabinetes oficiais, sob o argumento de que se trata de matéria técnica longe do alcance do grande público.

Medidas reveladoras de transparência tributária, no âmbito do ICMS, já se têm, por exemplo, na prestação de serviços de telecomunicações, onde na maioria dos Estados, a alíquota incidente sobre a respectiva operação já vem indicada na fatura do serviço. Necessário que medidas desta espécie sejam ampliadas para outros setores tributados pelo ICMS, até para que os contribuintes possam conhecer as áreas em que o Estado promove isenções fiscais, privilegiando alguns contribuintes com a desoneração fiscal.

Com efeito, além de permitir o conhecimento pelos consumidores do grau de importância (sob o ângulo da seletividade) que o Estado reserva para a produção de certos bens/mercadorias, medidas de transparência tributária permitiriam que os contribuintes-cidadãos pudessem conhecer as áreas produtivas beneficiadas pelo Poder Público através de desonerações tributárias ou reduções de carga tributária. A democracia agradeceria.

Enfim, o princípio da transparência tributária consagrado constitucionalmente, e infelizmente desprezado pelo legislador ordinário, constitui fundamental instrumento de concretização de uma nova concepção da relação Fisco-contribuinte, inspirada sob os princípios do que denomino cidadania fiscal, e que se resume na necessidade de abertura democrática do Poder Tributário e de afirmação dos direitos fundamentais.