Bem de família

O tema em epígrafe, embora pouco conhecido pelo grande público, não familiarizado com as Letras Jurídicas, revela grande importância à vida cotidiana das pessoas e sobretudo das famílias brasileiras.

O instituto do bem de família é originário do direito norte-americano o qual consagrou o homestead, isto é, o imóvel de pequena extensão reservado ao domicílio da família e que por tal circunstância deixava de se constituir em garantia patrimonial para eventuais dívidas do casal, ficando, assim, livre de penhoras. Em 1839, a então República do Texas, assegurava à família que possuísse uma propriedade imobiliária rural de até cinqüenta acres ou um imóvel urbano de valor até quinhentos dólares o direito de não sofrer execuções sobre tais bens imóveis.

A idéia de que a residência familiar deve ser protegida contra a investida dos credores penetrou profundamente no direito brasileiro, sendo atualmente objeto de ampla disciplina normativa. Temos no Brasil a) o bem de família voluntário ou convencional, o qual decorre de uma deliberação individual associada ao registro pertinente no Cartório de Imóveis e o b) bem de família legal, proteção que se agrega ao imóvel familiar, que preenche os requisitos legais, independente de qualquer registro público promovido pelo interessado.

O bem de família convencional encontra sua disciplina no Código Civil, o qual estabelece (art. 1711) que podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial (bem de família legal).

Consoante a disciplina codificada, o bem de família consiste em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, desde que destinado, em ambos os casos, ao domicílio familiar, sendo também objeto de proteção legal os valores mobiliários, ligados do imóvel, que gerem renda a ser aplicada na conservação do mesmo e no sustento da família.

Algumas características do bem de família convencional devem ser realçadas.

Primeira: é requisito legal para a sua constituição o registro do título de domínio junto ao Cartório do Registro de Imóveis, pelos cônjuges ou por terceiro (na hipótese de testamento ou doação). Sem o registro no Cartório competente, o imóvel, embora servindo exclusivamente ao domicilio familiar e preenchendo os demais requisitos legais, não se configura juridicamente como bem de família, conforme a disciplina do Código Civil.

Segunda: o bem de família, cumpridos os requisitos legais (inclusive o registro no Cartório de Registro de Imóveis), fica livre de execução por dívidas posteriores à sua instituição, exceto as que provierem de tributos relativos ao prédio (IPTU, por exemplo) ou de despesas de condomínio.

Terceira: a dissolução da sociedade conjugal pela separação ou morte não retira a natureza de bem de família. No entanto, caso morra um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se este for o único bem do casal. A extinção, no entanto, somente se promoverá através de ordem judicial.

Por outro lado, a Lei 8.009/90 contempla o chamado bem de família legal o qual se configura através da impenhorabilidade do imóvel familiar por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges, pelos pais ou filhos que sejam proprietários e nele residam.

A impenhorabilidade compreende não só o imóvel sobre o qual se assenta a construção, mas também as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, e ainda os móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Esta impenhorabilidade do bem familiar legal é mais ampla do que aquela retro descrita, prevista no Código Civil, na medida em que dispensa a formalidade do registro do bem de família no Cartório de Registro de imóvel, bem como não requer o limite de um terço do patrimônio familiar. Nesta hipótese, para que a garantia da impenhorabilidade efetive-se basta que o interessado a sustente no processo de execução, demonstrando o preenchimento dos requisitos da Lei 8.009/90.

No entanto, a impenhorabilidade do bem de família legal não atinge (art. 3º da Lei nº 8.009/90), a execução de créditos de trabalhadores da própria residência e respectivas contribuições previdenciárias, a execução de pensão alimentícia e tributos incidentes sobre o imóvel, entre outras exceções.

Importante lembrar que a Lei nº 8.009/90 (com a redação da Lei nº 8.245/91) retira a garantia da impenhorabilidade do bem de família legal quando a dívida executada tiver sido contraída em fiança concedida em contrato de locação. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal recentemente decidiu (RE 352.940) que esta exclusão revela-se inconstitucional por contrariar o direito social de moradia consagrado no artigo 6º, caput da Constituição Federal.

Segundo o Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, configura ofensa ao princípio da igualdade, proteger com a garantia da impenhorabilidade o bem de família de um locatário e admitir que o imóvel do fiador deste possa ser penhorado por dívida derivada da locação. Segundo clássico princípio de interpretação do direito, “onde há  a mesma razão, deve haver a mesma regra jurídica”, razão pela qual o fiador de contrato de locação não pode ter seu único bem imóvel penhorado por dívida decorrente de fiança por ele concedida.

Portanto, o direito brasileiro contempla garantia dupla ao imóvel que serve de domicílio à família, concretizando o direito social de moradia, assegurado constitucionalmente.