Anistia fiscal

O Estado do Pará assinou recentemente Convênio interestadual ICMS Confaz nº 91, publicado no Diário Oficial de 23 de agosto último, que lhe autoriza a dispensar juros e multas relacionados com débitos fiscais de ICMS, juntamente com os Estados de Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Pará, Piauí,Tocantins e o Distrito Federal.

O referido Convênio interestadual, celebrado na 86ª reunião extraordinária do CONFAZ autoriza o Estado do Pará e os demais Estados supra citados a dispensar o pagamento de juros e multas relacionados com débitos fiscais do ICMS decorrentes de fatos geradores ocorridos até 31 de julho de 2005, em variados percentuais, com a condição de que o contribuinte pague integralmente o valor atualizado do imposto nos seguintes prazos: a) 100%, se recolhido até 30 de setembro de 2005; b) 90%, se recolhido até 31 de outubro de 2005, c) 80%, se recolhido até 30 de novembro de 2005, e d) 70%, se recolhido até 22 de dezembro de 2005. Vale dizer, o contribuinte que aderir à referida anistia fiscal e pagar integralmente, até 30 de setembro de 2005, o valor do imposto devido será dispensado de todas as penalidades que lhe foram impostas pelo descumprimento do dever fiscal.

Estabelece ainda o citado Convênio que todos os créditos tributários de ICMS decorrentes exclusivamente de penalidades pecuniárias por descumprimento de obrigações acessórias (escrituração de livros fiscais, entrega de documentos e declarações fiscais, etc), cujos fatos geradores tenham ocorrido até 31/07/2005, poderão ser pagos com redução de 70% do seu valor atualizado, se integralmente recolhidos até 22 de dezembro de 2005. O benefício fiscal chega ao ponto de reduzir na mesma proporção aplicada às multas por infrações e acréscimos moratórios os honorários advocatícios decorrentes da cobrança da dívida ativa tributária.

Assim, o contribuinte que sofreu autuação fiscal de ICMS, cujo crédito tributário respectivo já se encontra no Poder Judiciário como objeto de processo de execução fiscal, se pagar integralmente até trinta de setembro de 2005 o valor do tributo devido e executado, será dispensado da totalidade da multa, dos juros de mora e dos honorários advocatícios de sucumbência que seriam devidos aos advogados públicos encarregados da cobrança judicial dos créditos do Estado.

Como toda norma de anistia fiscal, o citado Convênio determina expressamente que a anistia por ele concedida não confere ao sujeito passivo beneficiado qualquer direito à restituição ou compensação das importâncias já pagas. Ou seja, o contribuinte que no passado sofreu autuação fiscal e pagou o tributo exigido pelas autoridades fiscais acrescidos das penalidades legais não terá direito a devolução do montante pago a título de multa e juros, benefício reconhecido apenas a quem descumpriu o seu dever e inteligentemente aguardou o Estado do Pará conceder mais uma anistia

A anistia fiscal ora comentada traz uma lição aos contribuintes de ICMS, intuída pelos mais experientes e perspicazes, mas esquecida por alguns, mais ingênuos e crédulos no Poder Público, razão pela qual é sempre bom recordar.

Refiro-me à máxima de que neste país pagar tributo acrescido de penalidades constitui um ato de manifesta ingenuidade e desnecessário desprendimento patrimonial, isto porque tem sido comum a edição de anistias fiscais beneficiando os contribuintes que foram surpreendidos pela Fiscalização descumprindo deveres fiscais. Sofrendo um auto de infração fiscal, atitude mais inteligente é manter-se inerte e aguardar a próxima norma de anistia para pagar apenas o valor principal do tributo, livrando-se, com isso, de qualquer imputação fiscal.

Não discuto a conveniência das normas de anistia, necessárias em face do caráter draconiano das penas fiscais – por mim sempre denunciadas neste espaço – e da necessidade de geração de receitas públicas e realização do estoque de autênticos créditos podres que o Poder Público detém na sua Dívida Ativa Fiscal, haja vista a dificuldade no seu recebimento pelos meios judiciais normais.

As sucessivas anistias fiscais apenas confirmam a urgência de uma ampla reformulação das penalidades fiscais, tendo em vista a circunstância de que em uma ambiente de estabilidade econômica não tem qualquer sentido – jurídico ou econômico – ainda existirem multas fiscais que superam cem por cento do valor do tributo devido e que, se somadas à incidência dos juros de mora, muitas vezes levam os acréscimos a mais de duzentos por cento do valor do principal da obrigação tributária.

Atende mais ao interesse público formular uma revisão das penalidades fiscais, reduzindo-as a patamares razoáveis de dez ou vinte por cento, variando-as inclusive segundo o montante da lesão aos cofres públicos, a capacidade econômica e os antecedentes do contribuinte e as circunstâncias da infração, do que sistematicamente editar normas de anistia fiscal, corrigindo via dispensa de penalidades a irrazoabilidade que caracteriza atualmente a previsão destas.

Como exigir que o contribuinte cumpra as determinações legais em matéria tributária, se o decumprimento destas normas é sistematicamente premiado pelas autoridades fiscais com anistias? O que dizer do sentimento do contribuinte que autuado pelo Fisco pagou o tributo acrescido de multa e juros, no momento em que o Estado do Pará mais uma vez premia aqueles que, nas mesas circunstâncias, simplesmente ignoraram a autuação fiscal?

Como retro afirmei, não questiono a conveniência da nova anistia fiscal, talvez até necessária do ponto de vista de arrecadação, mas reafirmo que a edição desta somente confirma a necessidade de revisão das penalidades fiscais, cujo cumprimento rotineiro e ordinário tem sido esvaziado em face das sucessivas normas de anistia. Talvez o cumprimento de penalidades fiscais de fato tenha ficado apenas para os contribuintes incautos que ainda acreditam e temem o poder fiscalizatório do Estado.