Tributação das Igrejas

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 11.05.2010

 

A Constituição Federal determina que, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar impostos de templos de qualquer culto. Esta imunidade constitucional alcança apenas o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades religiosas.

A primeira observação atine ao significado da expressão “templos de qualquer culto”. Depois de longo debate jurisprudencial e doutrinário, compreende-se atualmente que, neste contexto, templo deve significar entidade religiosa, ou seja, o que a Constituição pretende evitar não é apenas a incidência de impostos sobre o templo, o lugar onde o culto é realizado, mas impedir que a instituição religiosa, como entidade, seja obrigada a pagar impostos.

As condições para o gozo do direito à imunidade de impostos estão contempladas no Código Tributário Nacional, ou seja, não basta ser igreja regularmente constituída para estar livre de impostos. É preciso preencher as condições legalmente previstas.

As condições para a imunidade são as seguintes: não distribuir qualquer parcela do seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; aplicar integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais e manter escrituração de suas receitas e despesas em condições de regularidade.

Tema instigante concerne ao alcance objetivo da imunidade tributária das igrejas. Considerando que há duas categoriais de impostos: uma que incide jurídica e economicamente sobre o contribuinte (impostos diretos) e outra que repercute apenas economicamente sobre ele (impostos indiretos), a proteção constitucional das igrejas alcança quais impostos?

Em impostos como o imposto de renda, IPVA, ITBI, ITR, o dever de pagar é de quem assume o ônus econômico do pagamento tributário, isto é, o sujeito obrigado a pagar é o mesmo que sofre o efeito econômico da incidência tributária. Por outro lado, há impostos, como o ICMS e o IPI, nos quais o dever de pagar é de uma pessoa (o comerciante ou industrial), mas o efeito econômico decorrente deste pagamento é transferido para um terceiro (o consumidor ou comprador), daí porque a doutrina jurídica denomina estes tributos de indiretos.

O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que as entidades imunes (entre as quais igrejas, Estados e Municípios) estão protegidas apenas da incidência de impostos diretos, isto é, daqueles que incidem jurídica e economicamente sobre elas. A imunidade tributária só alcança as hipóteses em que o dever de pagar é diretamente atribuído à entidade imune, recaindo também sobre ela o efeito econômico deste pagamento, como acontece no caso do imposto de renda, IPVA, ITBI e ITR, por exemplo.

Neste sentido, as igrejas, enquanto entidades imunes, não estão livres da incidência de ICMS e IPI quando adquirem bens e serviços (energia elétrica e telecomunicações, por exemplo) tributados por estes impostos, embora assumam economicamente o ônus do pagamento tributário, que lhes é transferido embutido no preço de compra daqueles bens e serviços.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal recentemente, por unanimidade, decidiu que o Poder Público pode estender, por simples lei ordinária, a imunidade tributária das igrejas para os impostos indiretos (ICMS e IPI) de modo a protegê-las também do efeito econômico gerado pelo pagamento destes tributos.

Ao decidir a ADI 3421, a Suprema Corte decidiu considerar válida a Lei estadual 14.586/04 do Estado do Paraná que prevê a isenção de ICMS nas contas de água, luz, telefone e gás utilizados por igrejas e templos de qualquer natureza, mesmo sem qualquer autorização do Confaz, órgão a que estão submetidas as dispensas de ICMS. Para o relator do caso, Ministro Marco Aurélio, o caso revela isenção a contribuinte de fato, figura jurídica “de especificidade toda própria”.

O ineditismo da decisão do Supremo abre as portas para a concessão de isenções de ICMS a contribuintes de fato (aqueles que, embora não obrigados ao pagamento, sofrem os efeitos econômicos dos tributos), sem a aprovação do Confaz, e permite que entidades imunes, como as igrejas, possam ampliar, mediante simples lei ordinária, a imunidade tributária que a Constituição lhes garante.