Legalidade e Regime de Recolhimento de ICMS

Pode a Administração Tributária, por vontade própria, e por simples Decreto governamental, impor regimes especiais de apuração e recolhimento do ICMS a determinados contribuintes, considerando o seu o porte ou atividade, ou mesmo a natureza da mercadoria ou do serviço tributado?

O tema revela importância em face do que estabelece o art. 26 da Lei Complementar 87/96, lei nacional que estabelece as regras gerais em matéria de ICMS. Esta norma estabelece que em
substituição ao regime normal de apuração do ICMS, a lei estadual pode estabelecer que o encontro entre débitos e créditos se faça por mercadoria ou serviço dentro de determinado período ou em cada operação; e ainda que, em função do porte ou da atividade do estabelecimento, o imposto seja pago em parcelas periódicas e calculado por estimativa, para um determinado período, assegurado ao contribuinte o direito de impugnar e instaurar processo contraditório.

Quando o regime especial de apuração e recolhimento for dirigido a um contribuinte determinado (ou categoria de contribuintes), ao fim do período, será feito o ajuste com base na escrituração regular do contribuinte, que pagará a diferença apurada, se positiva; caso contrário, a diferença será compensada com o pagamento referente ao período ou períodos imediatamente seguintes. O fato de ser obrigado a um regime especial de apuração não dispensa o contribuinte do cumprimento de obrigações acessórias.

Primeiramente, cabe registrar que a norma da LC 87/96 não tem por objeto os regimes especiais que são fruto dos acordos que a Administração Tributária faz com certos contribuintes na busca da eficiência arrecadatória, da simplificação do controle fiscal ou de outro interesse público, dentro, evidentemente, do espaço de discricionariedade administrativa autorizado pela legislação tributária.

A excepcionalidade aberta pela LC 87/96 ao regime normal de apuração do ICMS refere-se tão somente às hipóteses em que a Administração Tributária impõe, por interesse próprio, um regime especial de apuração e recolhimento de ICMS a um ou vários contribuintes, como demonstra a expressa previsão legal quanto ao direito do contribuinte de impugnar a escolha e
a forma eleitas pela autoridade governamental.

Justamente porque se trata de um regime especial de apuração imposto pela Administração Tributária que a LC 87/96 (art. 26, caput) exige que este tenha previsão em lei formal, o que afasta a possibilidade de mero ato regulamentar (Decreto) estabelecendo as regras desta excepcionalidade.

É muito comum a Administração Tributária impor regime especial de tributação para certos contribuintes ou setores utilizando bases estimadas de incidência (bases de cálculo presumidas ou fictas) permitindo que, ao final de determinado período, contribuinte e Fisco possam fazer o acerto de contas entre os reais e efetivos créditos e débitos resultantes das operações realizadas.
No entanto, este regime especial de apuração estimada pode resultar num ônus financeiro importante para o contribuinte na medida em que ele terá que recolher ICMS por base estimada
e não pela realidade econômica das operações por ele efetivamente realizadas, e considerando os créditos e débitos dela resultantes. Por esta razão, sempre lhe assistirá o direito de impugnar
a decisão tomada pela Administração Tributária.

Por reconhecer a importância da situação, a LC 87/96 delegou ao legislador estadual a tarefa de disciplinar estes regimes especiais de apuração e recolhimento do ICMS, tirando da
Administração Tributária o poder de decisão quanto a este tema, assegurando, desde logo, o direito do contribuinte de impugnar a escolha feita pelo Fisco.

A LC 87/96 ao regular o tema operou estritamente dentro da sua competência constitucional de estabelecer normas gerais em matéria de ICMS, delegando ao legislador estadual a competência
para estabelecer regras complementares à disciplina do imposto, segundo as características e a decisão política de cada ente federado.

Assim, são plenamente inconstitucionais os regimes especiais de apuração e recolhimento de ICMS impostos pela Administração Tributária, através de mero ato executivo, sem prévio ajuste com o contribuinte, porque ofensivos à regra do art. 150, I da Constituição Federal, que estabelece o princípio da legalidade tributária, e do art. 26 da LC 87/96.
No mesmo sentido, é o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 632.265/RJ que julgou inconstitucionais Decretos dos Governador do Rio de Janeiro que impunham regime de recolhimento do ICMS por estimativa. Para a Corte Suprema, a criação de nova maneira de recolhimento do tributo — na espécie, com antecipação do imposto devido valendo-se de base de cálculo ficta (estimativas do mês anterior), com posterior ajuste — exige a edição de lei em sentido em sentido formal e material.

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