Tributação do investimento estrangeiro

Uma das “verdades” da onda de liberalização mundial do comércio e das transações financeiras é representada pela afirmação comum de que os países em desenvolvimento devem flexibilizar os seus sistemas tributários para se tornarem atrativos ao investimento estrangeiro. Por flexibilização entenda-se a concessão de incentivos tributários e facilidades operacionais para que o grande capital rume dos países desenvolvidos para os países importadores de capital.

Esta afirmação vem sendo cada vez mais objeto de lúcidas e plausíveis contestações. Em  primeiro lugar, há que se divisar o capital estrangeiro especulativo do capital estrangeiro investido diretamente da produção de bens e prestação de serviços.

O Brasil assim como outros países emergentes (México, Argentina) já sentiram o efeito deletério que uma política de incentivo à entrada de capitais voláteis de curto prazo podem causar às suas economias. Neste sentido, a incidência da CPMF sobre as aplicações em Bolsa de Valores constitui, de certa forma, um fator inibidor à atuação deste aplicador-especulador. Contudo, é inegável a importância de um mercado de capitais ativo para o desenvolvimento de um país, razão pela qual ao invés de simplesmente isentar-se as operações de renda variável da incidência de CPMF, o melhor caminho talvez seja estabelecermos uma isenção condicionada ao tempo, vale dizer, o tributo apenas deixaria de incidir quando o capital investido permanecesse um certo período em ativos nacionais antes de retornar ao exterior.

O mesmo critério temporal poderia ser aplicado no que tange à definição da alíquota de imposto de renda na fonte aplicável sobre o ganhos de renda variável, recentemente aumentada de dez para vinte por cento. Investimento estrangeiro que permanecesse mais tempo aplicado em ações de empresas nacionais poderiam sofrer tratamento diferenciado em relação aos ganhos obtidos através de operações day trade, por exemplo. Idéias neste sentido poderiam ser melhor desenvolvidas pelo legislador tributário.

O investimento estrangeiro aplicado diretamente na produção nunca teve na tributação um impedimento decisivo, como conclui André Martins de Andrade em excelente estudo (As três falácias da regulação do investimento estrangeiro direto no Brasil) onde analisa a evolução da tributação do investimento estrangeiro direto no Brasil em comparação com o nível histórico deste investimento.

O citado estudo demonstra a completa desvinculação entre o movimento de capitais e os regimes tributários vigentes nos países importadores de capital.  No Brasil, por exemplo, no final dos anos oitenta, quando as pessoas jurídicas submetiam-se a uma tributação da ordem de quarenta e cinco por cento sobre o lucro e de vinte e cinco por cento sobre a remessa de dividendos, o nível de investimento estrangeiro atingiu o seu patamar mais alto (7,5%), bem superior ao atual (4,5%) quando temos uma tributação da renda de vinte e cinco por cento e nenhuma tributação sobre a remessa de dividendos.

Este fenômeno pode ser explicado se se considera a circunstância de que a carga tributária sofrida por um investimento estrangeiro no Brasil é, via de regra, compensada no país-sede do capital, através de mecanismos de compensação e dedução, parciais ou integrais. Em outras palavras, através dos acordos para evitar a dupla tributação da renda ou de atos unilaterais ou bilaterais, o imposto pago por uma subsidiária de uma empresa estrangeira no Brasil pode ser compensado com o imposto devido na jurisdição de origem do investimento, o que, na prática, reduz substancialmente a carga tributária global sofrida pelo investimento.

Ademais, é ingenuidade supor que as empresas transnacionais não “calibrem” a carga tributária global do investimento que alocam a uma determinada operação, através, por exemplo, de mecanismos como os preços de transferência, cujo combate e disciplina revelam-se difíceis, embora o Fisco brasileiro tenha tentado nos últimos anos.

Importante ainda observar que o legislador tributário brasileiro parece desconhecer as peculiaridades do investimento estrangeiro, em nome de uma suposta isonomia entre o capital estrangeiro e o capital nacional. Exemplo desta tendência é o tratamento conferido à tributação dos dividendos. A legislação brasileira, talvez influenciada pela aludida isonomia entre capital estrangeiro e capital nacional, embora autorizada (em regra, a uma alíquota máxima de quinze por cento) inclusive pelos Acordos para evitar a dupla tributação (ver, por exemplo, acordos assinados com Alemanha, Áustria, Bélgica) formula autêntica renúncia fiscal em favor dos países exportadores de capital, ao isentar os dividendos remetidos a empresas situadas nestes e em outros países.

Vale notar que a eventual tributação sobre a remessa de dividendos não teria efeito deletério quanto à decisão do investimento estrangeiro no Brasil já que, via de regra, os países exportadores de capital admitem que o tributo pago no país de remessa do dividendo possa ser abatido no país de destino do mesmo. Em outras palavras, o Brasil renuncia a um tributo em favor do país exportador de capital.

A lembrança desta estranha renúncia fiscal internacional é importante sobretudo no momento em que o discurso oficial é pautado pelo combate às diferentes renúncias de receitas e à sonegação, e em que a não correção da tabela do imposto de renda das pessoas físicas é apresentada à população como panacéia para a resolução dos problemas de equilíbrio orçamentário brasileiro.

Portanto, o que parece relevante concluir é que a decisão acerca de um investimento estrangeiro direto no Brasil é menos influenciado pelo nível de tributação que o respectivo rendimento sofre, e mais conseqüência de análises macro-economicas (estabilidade institucional, nível de inflação, proteção jurídica do investimento, políticas econômicas estáveis, etc.). Para quem tiver maior interesse no tema, sugiro a leitura do inteiro teor do trabalho de André Martins de Andrade no endereço www.idj.org.br no subtítulo áreas de interesse tributos.