Apesar de vetusto, o prazo de prescrição do direito do contribuinte a pleitear administrativa ou judicialmente a devolução de tributo recolhido e posteriormente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ainda é alvo de acalorado debate doutrinário e jurisprudencial.
Primeiramente é preciso distinguir o recolhimento tributário de sua qualificação jurídica. O recolhimento é uma realidade material e fática, no plano da conduta, diante do qual não se põe qualquer juízo de valor. A qualificação jurídica, por outro lado, envolve um juízo valorativo concernente na sua adequação ao conjunto de regras e princípios que regulam a sua existência. Esta qualificação jurídica desdobra-se ainda em dois planos: a) plano da lei: adequação do recolhimento ao que determina a lei; b) plano da Constituição: adequação do recolhimento ao que exige a Constituição. Assim, o qualificativo “indevido” pode nascer de uma inadequação do recolhimento no plano da lei (ilegalidade) ou no plano da Constituição (inconstitucionalidade).
O prazo de prescrição ao pleito de devolução do indébito altera-se em função do plano em que o qualificativo “indevido” nasceu.
O Código Tributário Nacional – CTN não trata do fenômeno “inconstitucionalidade”. O artigo 168 do CTN que regula o prazo de prescrição para o pleito de restituição de indébito não se aplica aos recolhimentos cujo fundamento legal venha a ser declarado inconstitucional. Esta afirmação é facilmente constatada quando se analisa os incisos do artigo 165 do CTN, o qual se refere a indébito decorrente de vicissitudes na aplicação e interpretação da “legislação tributária”, expressão que segundo o próprio Código Tributário (art. 96) designa apenas atos normativos infraconstitucionais (ilegalidade).
Como inexiste regra especial no Código Tributário Nacional aplicável como prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário – fundada na inconstitucionalidade dos recolhimentos – aplica-se o prazo de 5 (cinco) anos previsto no artigo 1º do Decreto 20.910/32 contado da data do ato ou fato que originou o respectivo direito.
Ocorre que, em se tratando de inconstitucionalidade da lei tributária, o “ato ou fato” que origina o direito a ser pleiteado pode ser identificado em diferentes momentos, dependendo da natureza e das características em que se deu a pronúncia de inconstitucionalidade, a qual, a rigor, fará nascer o direito ao pleito de devolução de tributo recolhido ao arrepio da Constituição. O prazo de prescrição somente começa a correr com a “actio nata” que, em se tratando de ação de repetição de indébito de tributo inconstitucional, identifica-se com a inequívoca pronúncia de inconstitucionalidade da lei em que se embasou o recolhimento cuja devolução se almeja.
Em resumo: a atribuição da qualificação de “indevido” ao recolhimento tributário ocorre: a) no caso de pronúncia de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de inconstitucionalidade: a.1) na data do trânsito em julgado, quanto aos processos encerrados antes da publicação da Lei nº 9.868/99; a.2) na data da publicação da parte dispositiva da decisão no Diário Oficial da União e no Diário da Justiça, quanto aos processos encerrados depois da publicação da Lei nº 9.868/99.
No caso de pronúncia de inconstitucionalidade proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade (declaração incidenter tantum), em processo de interesse de outro contribuinte: na data da edição de ato de caráter geral que estender a todos os interessados os efeitos da inconstitucionalidade declarada, reconhecendo estarem comprometidas a lei ou a exigência dela decorrente (Resolução do Senado, Decreto do Presidente da República. etc.);
Por outro lado, se não houver declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum em processo de interesse de outro contribuinte, na data em que o interessado obtiver do Supremo Tribunal Federal a pronúncia da invalidade do pagamento por ele realizado, haja vista a inconstitucionalidade da lei que embasou a sua exigência.
Até a edição de um dos atos acima mencionados, não há actio nata, pois os pagamentos eram devidos, posto que a lei estava cercada, quando menos, de presunção de constitucionalidade. Estes atos são os que têm o condão de atribuir àqueles pagamentos uma qualidade nova (tornando-os “indevidos”).
Por conseguinte, ações de repetição de indébito fundadas na inconstitucionalidade da lei que embasou os pagamentos, desde que propostas no prazo de cinco anos contados de um dos termos iniciais indicados acima, alcançam todos os recolhimentos efetuados desde a edição da lei.
É necessário não confundir o prazo prescricional para o exercício do direito (5 anos a contar de qualquer dos momentos supra indicados) com o alcance material do direito respectivo (período abrangido pelo pleito de devolução). Declarada a inconstitucionalidade da lei tributária, até por força da tradição de nulidade absoluta que a pronúncia de inconstitucionalidade da lei tem em nosso ordenamento, o contribuinte lesado faz jus à devolução de todos os recolhimentos realizados com base na aludida lei.
Essas e outras reflexões acerca das conseqüências da pronúncia de inconstitucionalidade da lei tributária constam do livro “Inconstitucionalidade da lei tributária – repetição do indébito”, que escrevi juntamente com Marco Aurelio Greco, recentemente lançado pela editora Dialética, para onde remeto os interessados no aprofundamento do tema.