Copom e tributos

O noticiário da última semana ficou centrado nas expectativas e nas conseqüências da decisão que seria tomada pelo COPOM – Comitê de Política Monetária no que tange à taxa de juros básica. Por maioria, os membros do COPOM decidiram manter inalterada a taxa de juros, fixada em dezoito e meio por cento ao ano. Existe alguma relação entre as decisões do COPOM e os tributos?

Infelizmente sim. É sabido que o Brasil vive hoje em uma economia desindexada, isto é, os direitos e obrigações via de regra não mais sofrem correção monetária mensal, como ocorria antes da implantação do Plano Real. Todavia, o Governo Federal previu que as obrigações tributárias federais não cumpridas pelo contribuinte no prazo legal sofrem a incidência de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia, ou simplesmente taxa SELIC. Esta taxa é o resultado das decisões do COPOM.

Em outras palavras, as decisões do COPOM quanto à definição da taxa de juros influenciam diretamente o montante do crédito tributário devido por contribuintes em estado de impontualidade com os seus deveres tributários com o Fisco Federal e com alguns Fiscos estaduais e municipais que adotam a mesma sistemática de “indexação” para os tributos de sua competência.

A primeira questão que se põe diz respeito à validade da incidência de uma taxa de juros de natureza nitidamente remuneratória (cujo objetivo é remunerar a utilização do capital) como taxa de juros de mora (cujo objetivo é penalizar o sujeito passivo impontual com o cumprimento de seus deveres obrigacionais). Segundo o Código Tributário Nacional (art. 161), o crédito tributário não integralmente pago no vencimento será acrescido de juros de mora, os quais serão calculados à taxa de um por cento ao mês, na inexistência de lei dispondo em sentido contrário. Não há no Código Tributário Nacional previsão para a incidência de juros remuneratórios sobre créditos tributários não pagos no vencimento.

A lei poderá fixar os juros de mora em outro montante, contudo não pode transformar taxa de juros remuneratórios em taxa de juros moratórios, como acontece atualmente com a incidência da Taxa SELIC sobre as obrigações tributárias. A validade desta “transformação” está sendo discutida atualmente nos Tribunais, valendo sempre lembrar que no passado o Supremo Tribunal Federal já decidiu que uma taxa de juros remuneratória (Taxa Referencial – TR) não poderia ser transformada em índice de atualização de tributos.Como não temos mais correção monetária, desta vez utilizou-se uma taxa remuneratória (SELIC) não como índice de atualização, mas como juros moratórios. Cabe-nos aguardar a posição final do Poder Judiciário acerca do tema.

A segunda questão diz respeito ao efeito da incidência da taxa SELIC sobre as dívidas tributárias, sobretudo no âmbito federal. A sistemática atual tem gerado um agigantamento do estoque dessa dívida, o que torna ainda mais improvável o recebimento da mesma. As estatísticas apontam que somente a União Federal tem créditos tributários não recebidos em valores superiores a cem bilhões de Reais. Evidentemente, que crescendo à taxa de vinte por cento ao ano, esta dívida se tornará ainda mais impagável, sobretudo quando se considera o número insuficiente de Procuradores, as precárias condições de trabalho oferecidas a estes profissionais do Direito, bem como a impossibilidade prática do Poder Judiciário Federal dar cabo a um incontável número de processos de execução fiscal.

Não se pode esquecer que esta dívida em grande parte é composta por multas que chegam a setenta e cinco por cento do crédito tributário principal não pago no vencimento. Ora, dentro de uma situação de normalidade, nenhuma relação jurídica contratual prevê multa em alíquota tão elevada. A previsão legal de altas penalidades têm o objetivo de desestimular os contribuintes a infringirem os deveres tributários, todavia, na prática, têm gerado o efeito não previsto de criar a sensação geral de que as dívidas tributárias são impagáveis, estimulando indiretamente a fraude e a evasão.

Aos poucos o Governo Federal vai percebendo o efeito devastador de multas e juros elevados sobre as dívidas tributárias. Na última semana, pela segunda vez em menos de três anos, os contribuintes em dívida com o Fisco Federal foram beneficiados com uma nova anistia, que embora seja apenas parcial qualitativa e quantitativamente, já representa uma forma de contornar o crescimento exagerado do passivo tributário dos contribuintes, permitindo a quitação de parte destes débitos.

A taxa de juros definida pelo COPOM é claramente superior à taxa líquida de retorno do capital produtivo. Em outras palavras, um contribuinte que tenha dívida tributária “corrigida” pela SELIC não conseguirá, em condições normais, obter rentabilidade dentro do seu setor produtivo que lhe permita gerar excedente capaz de liquidar seu passivo com o Fisco Federal. Esta é uma realidade que as autoridades tributárias parecem não querer enxergar. Se não há mais indexação na economia, qual a razão para se atualizar os créditos tributários por uma taxa de juros superior aos índices que ainda calculam o desgaste do poder de compra, como o IGP-M, o IPC e outros da mesma espécie?

O exagerado crescimento do ativo tributário federal através da incidência de juros remuneratórios, como a taxa SELIC, transformados em moratórios, deve ser revista qualquer que seja a política tributária do novo Governo eleito em outubro próximo, sob pena de as contas públicas continuarem sendo influenciadas pela ilusão de que um dia o setor privado gerará excedente produtivo capaz de liquidar o seu passivo fiscal.