A causa dos tributos

A voracidade e a arbitrariedade com que o Fisco Federal vem tratando a questão tributária no Brasil, especialmente no que tange à multiplicação de contribuições – tributos que entre outras características não necessita ter o produto da sua arrecadação repartido com Estados e Municípios  – exige que seja retomada a discussão acerca da causa da imposição tributária, isto é, da razão pela qual todos somos obrigados a pagar tributos.

Este tema está longe de constituir novidade, haja vista o fato de que tem sua origem teórica em texto escrito pelo administrativista italiano Oreste Ranelleti em 1898, mas que teve o seu maior apogeu nas primeiras décadas do século XX, na Itália, nos estudos de finanças públicas desenvolvidos pela Escola de Pavia, liderada pelo italiano Benvenuto Griziotti. Esta Escola se notabilizou por buscar, a partir das Finanças Públicas (não se cogitava ainda de um Direito Tributário, como ramo autônomo do estudo do Direito), postulados e diretrizes metodológicas com o objetivo de racionalizar a atividade estatal de imposição tributária, estabelecendo-lhe limites ontológicos suportados em “bases racionais”.

Segundo aqueles teóricos italianos, a causa do tributo está na vantagem que o mesmo gera ao interesse individual, na medida em que configura o meio de que o Estado se utiliza para prestar serviços públicos que incrementam a atividade econômica e melhoram a vida dos contribuintes. Em outras palavras, não existe um direito natural do Estado à tributação, esta prerrogativa nasce impregnada da necessidade de gerar benefícios individuais ou coletivos, devidamente observados na realidade, àqueles obrigados ao pagamento dos tributos.

A teoria causalista foi duramente criticada porque se visualizava nela um individualismo exacerbado que não considerava o “todo social”, isto é, não permitia visualizar o caráter solidário do ato de pagar tributos. O dever tributário como expressão de um ato de solidariedade marcou a construção e consolidação do princípio da capacidade contributiva a partir da obra do também italiano Franscesco Moschetti, no início da década de setenta, e que se apoiou no artigo 53 da Constituição Italiana, segundo o qual “todos são obrigados a concorrer para o custeio das despesas públicas na razão da sua capacidade contributiva”. Moschetti enxergou neste dispositivo constitucional um fundamento de solidariedade para o dever de pagar tributos.

A partir deste enforque de capacidade contributiva, a teoria causalista perdeu força já que não adiantava mais discutir as razões da existência das imposições tributárias, mas tão somente verificar a adequação da sua dimensão (alíquota, base de cálculo) à capacidade contributiva (aptidão para contribuir com as despesas públicas) da classe de pessoas eleitas pelo legislador para figurar como contribuintes. Em outras palavras, o legislador seria livre para escolher os índices de riqueza que preferia tributar e livre para avaliar a dimensão da imposição tributária que cada titular desta riqueza deveria suportar. Tudo em nome da necessidade, justificada pela solidariedade social, de que todos devem concorrer ao custeio das despesas públicas.

A ideia da capacidade contributiva como justificativa do dever de pagar tributos contempla um certo viés autoritário, na medida em que retira da sociedade a possibilidade de apoiar a sua pretensão de defesa perante a voracidade fiscal em algo que não possa ser alterado por aqueles contra quem a mesma pretende exercer este direito de defesa (o Estado e os seus representantes políticos).

Vale dizer, apoiar a obrigação de pagar tributos em um dever de solidariedade, simplesmente, equivale a isolar o fenômeno de pagar tributos nos quadrantes definidos pelo direito positivo, produzido pelo Estado em nome das finalidades determinadas pelos detentores do poder político de plantão e como instrumento de justificação dos meios para alcançar tais finalidades, entre os quais destacam-se os tributos.

A capacidade contributiva, como manifestação de solidariedade social, atualmente vem sendo utilizada como justificativa teórico-jurídica para a criação de contribuições sociais no Brasil. Necessário, todavia, que se distinga as contribuições sociais de seguridade social – cujo produto deve servir constitucionalmente para financiar aposentadorias, pecúlios e pensões no âmbito da Previdência Pública – das contribuições sociais gerais (como a contribuição do salário-educação) e as contribuições sociais de intervenção no domínio econômico (FUST, FUNTEL, e outras tantas criadas quase que mensalmente pelo Poder Público federal).

As contribuições de seguridade social, por constituírem um compromisso da sociedade atual com a sociedade do futuro, ao objetivar promover a esta condições mínimas de existência digna na velhice, na enfermidade e no desamparo, são por essência expressões de solidariedade social. As demais espécies de contribuições citadas consubstanciam autênticos impostos destinados ao atingimento de políticas públicas especiais (nos setores de telecomunicações, por exemplo) ou gerais (caso da educação) que têm a sua justificativa em fundamentos políticos de conjuntura, razão pela qual talvez seja o momento de resgatarmos para esta espécie de tributos alguns dos postulados da teoria causalista da tributação.

Enfim, o importante é que a teoria do direito seja capaz de construir modelos hábeis a proteção dos interesses individuais contra a voracidade do Estado, no exercício do poder impositivo, tarefa inafastável, aliás, dos pensadores comprometidos com a liberdade.