Sigilo

O tema do sigilo bancário voltou a assumir lugar de destaque no noticiário nacional com a edição do Decreto Federal nº 4.489, de 28.11.2002, o qual disciplina os procedimentos relativos à prestação de informações à Secretaria da Receita Federal no que tange à movimentação bancária realizada por clientes de instituições financeiras.

Esta norma consubstancia a regulamentação de prerrogativa que as autoridades fiscais passaram a possuir a partir da edição da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, norma esta que tem a sua constitucionalidade impugnada perante o Supremo Tribunal Federal, através de Ações Diretas de Inconstitucionalidade com pedido de liminar que lamentavelmente aguardam decisão há quase dois anos.

No momento em que se acirra o debate em torno da reforma do Poder Judiciário e da inegável necessidade de um mecanismo de solução rápida e eficiente dos litígios levados à apreciação daquele Poder (como Súmulas vinculantes), é digno de nota negativa a demora da mais Alta Corte do País em se pronunciar acerca de tema tão relevante para a cidadania, como o do sigilo bancário, haja vista o sentido social que o mesmo assume no Brasil, diferentemente do que ocorre em outros países.

Voltando ao Decreto, entendo que o mesmo, como não poderia deixar de ser haja vista a sua estatura de norma infralegal, não traz grande inovação ao tema. Com efeito, aquela norma apenas se ocupa da enumeração das operações que as instituições financeiras devem considerar para apurar o “montante global mensalmente movimentado” por aqueles que se utilizam do sistema bancário.

Se o amplo acesso a movimentações bancárias é autorizado constitucionalmente, juízo este que ainda depende da apreciação do Supremo Tribunal Federal, o referido decreto é perfeitamente adequado nos seus termos, até porque deixa claro as penalidades a que se submetem as autoridades que divulgarem, revelarem, facilitarem a divulgação, utilizarem ou viabilizarem a utilização de informação bancária obtida com finalidades fiscais.

Enfim, o Decreto torna manifesto o desejo da Secretaria da Receita Federal de operar a transferência do sigilo das instituições financeiras para as autoridades fiscais, pretensão que, como alertei, tem a sua compatibilidade com a Constituição Federal ainda pendente perante o Supremo Tribunal Federal.

A única novidade digna de nota no referido Decreto refere-se à determinação do montante global mensalmente movimentado que, para pessoas físicas, fica definido em R$ 5.000,00 (cinco mil Reais) e para pessoas jurídicas, em R$ 10.000,00 (dez mil Reais), com a expressa autorização para a Secretaria da Receita Federal alterar tais limites.

Parece-me que a regulamentação da autorização de acesso a movimentação bancária com finalidade de lançamento tributário, quando ainda pende no Supremo Tribunal Federal ações impugnando a constitucionalidade da norma que autoriza tal acesso (Lei Complementar nº 105), revela-se açodada e inoportuna. Os lançamentos que se fundarem nesta autorização legal terão que ser futuramente cancelados, por nulidade ex radice, como autênticos frutos da árvore venenosa (fruits of the poisonous tree), caso aquela Corte pronuncie a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 105.

Esta simples circunstância já deveria ser suficiente para que as autoridades fiscais procedam com a cautela recomendada na utilização daquela prerrogativa, sob pena de terem valorosos e árduos trabalhos de fiscalização futuramente cancelados pelo Poder Judiciário. Este alerta nunca é despiciendo, até porque muitas vezes as autoridades fiscais possuem outros meios de comprovar a ocorrência de ilícitos fiscais, sem precisarem recorrer ao expediente de informações protegidas por sigilo bancário.

Por outro lado, tenho dúvidas quanto à utilidade que o acesso contínuo e indiscriminado de um grande número de informações bancárias trará para a fiscalização. Se o acesso a informações bancárias dos contribuintes constitui instrumento indispensável ao combate à evasão fiscal, como afirmam as autoridades fiscais federais, será que não seria mais inteligente, eficiente e pertinente solicitar-se tais informações, mediante intimação escrita, no bojo de um procedimento fiscal já instaurado contra um contribuinte determinado e não de forma contínua,  através de arquivos digitais, relativamente a todos os contribuintes indiscriminadamente, como estabelece o referido Decreto?

Portanto, o referido Decreto, pelo menos por enquanto, não deveria alarmar a todos. A palavra final sobre o tema continua com o Supremo Tribunal Federal. Oxalá esta Corte rompa o ruidoso silêncio em que se encontra e defina os rumos da questão brevemente.