COFINS no STF

Na última quinta-feira (12/12), o Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF iniciou o julgamento de leading case relativo à matéria tributária de interesse da maioria das pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil. Refiro-me ao julgamento acerca da constitucionalidade do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 que ampliou a base de incidência do COFINS.

Esta norma jurídica determinou que as empresas, a partir de fevereiro de 1999, passassem a recolher COFINS (3%) não apenas sobre as receitas de vendas de mercadorias e serviços, mas também sobre todas e quaisquer receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente da classificação contábil de tais ingressos (p. ex., receitas financeiras, variações cambiais, aluguéis, etc).

Da tribuna daquela Egrégia Corte, tive a oportunidade de sustentar oralmente as razões pelas quais os contribuintes entendem ser inconstitucional a referida norma, as quais se resumem a duas.

Primeiro. O conceito de “faturamento”, como materialidade econômica possível de sofrer a incidência do COFINS, tal como previsto no art. 195, I da CF, mais de uma vez já foi definido pelo STF como a receita bruta de vendas de mercadorias e serviços. Nada mais. Assim, o alargamento de tal conceito, pretendido pela Lei nº 9.718/98, revela-se absolutamente inconstitucional ante o disposto no artigo 195, I da Carta.

Segundo. Ao contrário do que sustentam alguns, a Emenda Constitucional nº 20/98 não tem o condão de sanear o vício de inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.718/98. Tal Emenda Constitucional aumentou o alcance da competência da União Federal: ao faturamento agregou-se a competência para tributar também a “receita”. Após a EC nº 20/98, o artigo 195, I da Carta autoriza a tributação do “faturamento” e da “receita”. Logo, após esta Emenda (e somente após), a União pode editar leis que determine a tributação pelo COFINS de fatos econômicos que transbordem o conceito originário de faturamento.

Ocorre que a Lei nº 9.718 foi publicada em 28 de novembro de 1998, enquanto a Emenda Constitucional o foi somente no dia 16 de dezembro de 1998. A própria Lei nº 9.718/98 se autodeclara em vigor a partir da sua publicação (art. 17, caput), ressalvando, todavia que o aumento de base de cálculo que veicula incidirá apenas sobre os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 1999 (art. 17, I).

A ressalva da Lei nº 9.718/98 quanto ao momento de sua aplicação configura o expresso reconhecimento de que a mesma alberga aumento de tributo, razão pela qual, por força do artigo 195, § 6º da Carta, deve obedecer à anterioridade nonagesimal, isto é, deve aguardar o interstício de 90 dias entre a data de publicação (normalmente coincidente com a data de vigência) e o momento de eficácia da mesma.

No caso em tela, no momento em que veio a lume a EC nº 20 (dezembro/98), a Lei nº 9.718 (novembro/98) já estava em plena vigência (por força do seu art. 17, caput). Todavia, o aumento de carga tributária que veiculou estava com a sua eficácia suspensa por exigência do princípio da anterioridade nonagesimal.

A rigor, a norma do art. 17, I da Lei nº 9.718/98 sequer seria necessária, já que por veicular aumento de tributo, o art. 3º desta Lei teria que, necessariamente, aguardar o prazo de noventa dias para incidir sobre os fatos geradores por ele alcançados, por exigência natural e automática do princípio da anterioridade nonagesimal (art. 195, § 6º).

Ora, é lição preliminar de Direito que o juízo de compatibilidade constitucional de uma lei deve ter como parâmetro a ordem constitucional existente no momento em que o ato legal é publicado, adquirindo validade e vigência concomitantemente, se ela mesma não contemplar norma especial estabelecendo “vacatio legis”.

Vale registrar que “vacatio legis” é instituto que diz com o prazo de vigência da lei e não com a sua eficácia (como o princípio da anterioridade tributária). Por força do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”, esta é a razão pela qual é comum ao final das leis a expressão “esta lei entra em vigor na data da sua publicação”, como aliás ocorre com a Lei nº 9.718/98 (art. 17, caput).

Exemplo de “vacatio legis”, encontramos no art. 2.044 da Lei nº 10.406/2002 (Novo Código Civil), o qual estabelece “este Código entrará em vigor um ano após a sua publicação”. Vale dizer, o Novo Código Civil somente adquirirá vigência na ordem jurídica brasileira um ano após a sua publicação, isto é, ao fim da “vacatio legis” a que a lei se submeteu.

O eminente Ministro Relator do caso supracitado entendeu que a Lei nº 9.718/98 teria se imposto uma “vacatio legis” de noventa dias, daí porque tendo a EC 20/98 surgido durante o período desta suposta “vacatio” não haveria vício de inconstitucionalidade originária da lei. Por força deste entendimento, o eminente Relator sustentou que ao prazo de “vacatio” de 90 dias (a se expirar em fevereiro), deveria se somar novo prazo de 90 dias (por força da anterioridade nonagesimal), razão pela qual o tributo somente poderia ser exigido a partir de maio de 1999 e não de fevereiro como ocorreu.

Da tribuna, em questão de ordem, fiz ver à Corte que a Lei nº 9.718/98 não contemplou “vacatio legis” de noventa dias, mas mera previsão (a rigor, desnecessária) de que a majoração por ela veiculada em seu art. 3º tinha sua eficácia suspensa em 90 dias, como exige o princípio da anterioridade nonagesimal (art. 195, § 6º da CF). Feito o esclarecimento, o Ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo, suspendendo o julgamento da questão.

Portanto, o deslinde de tão relevante questão constitucional girará em torno dos conceitos teóricos de validade, vigência e eficácia da lei. O relato do ocorrido no julgamento citado, além de interessar a todas as pessoas jurídicas, serve para demonstrar àqueles que se dedicam às letras jurídicas a importância do estudo de temas próprios da Teoria Geral do Direito, disciplina jurídica que nem sempre recebe a importância devida pelos operadores do Direito.