O ICMS do minério

“O tributo é vetusta e fiel expressão do poder político há mais de vinte séculos. Onde se ergue um governante, ele se projeta sobre o solo de sua dominação. Inúmeros testemunhos, desde a antiguidade até hoje, excluem qualquer dúvida.” Estas célebres palavras do maior de todos os tributaristas brasileiros de todos os tempos Aliomar Baleeiro expressam à saciedade a correspondência entre tributo e poder político, sendo aquele um instrumento e uma manifestação da existência deste.

Cremos que através do exercício da potestade tributária – emanação do poder político que lhe cabe – pode o Estado do Pará resgatar grande parte do déficit social que o extrativismo mineral legou à sociedade paraense após décadas de pleno vigor.

Com efeito, há décadas o Estado do Pará sofre as conseqüências deletérias do extrativismo mineral sem a contrapartida da remuneração tributária proporcional aos ganhos que os grandes projetos obtém explorando solo paraense, abençoado pela natureza como um dos mais ricos do planeta em variedade e quantidade mineral.

Como a maior parte do minério extraído do solo paraense destina-se à exportação, o Estado do Pará, por força da isenção tributária garantida por uma lei nacional (Lei Kandir), vê-se impedido de tributar pelo ICMS a operação de circulação de mercadoria através da qual o minério é destinado ao exterior.

Todavia, o Estado do Pará pode perfeitamente editar lei estadual captando o fato gerador que ocorre em solo paraense, e que é anterior à operação de exportação. Referimo-nos à operação de circulação de mercadoria consubstanciada na extração do minério, o qual neste momento, deixa de ser propriedade da União Federal e passa à titularidade da empresa extratora.

A Constituição Federal de 1988 assegura à União a propriedade das jazidas de minério. Todavia, garante ao concessionário autorizado à exploração a propriedade do minério extraído. Com efeito, estabelece a Constituição Federal (art. 176, caput) que “As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.” Vale dizer, o minério que se encontra no subsolo brasileiro é de propriedade da União, passando à propriedade do concessionário no momento em que este procede à extração.

O ICMS, por outro lado, é tributo que por determinação constitucional incide sobre operações de circulação de mercadorias. A extração de minérios constitui apenas e tão somente o primeiro momento do processo circulatório com estas mercadorias, apto, portanto, a sofrer a incidência da norma tributária. A extração de minérios representa, a rigor, mero fato de exteriorização, aspecto temporal da hipótese de incidência do ICMS, qual seja, a circulação de mercadorias.

Logo, legítima é a lei estadual que, interpretando o conceito de circulação de mercadoria previsto na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 87/96, preveja a extração de minérios como aspecto temporal da circulação de mercadoria (hipótese de incidência do ICMS). Outrossim, o princípio da legalidade tributária impõe que a exigência do ICMS no momento da extração do minério seja veiculada por lei estadual expressa neste sentido.

Ademais, a incidência do ICMS no momento da extração do minério nenhuma ofensa promove à imunidade tributária recíproca na medida em que tal exigência tributária não incidirá sobre o patrimônio da União (minério ainda na jazida), mas sobre operação (de extração) praticada por pessoa jurídica de direito privado (o concessionário) com bem de sua propriedade (minério já extraído), bem como sobre a transferência da propriedade do minério da União para o concessionário fato que ocorre no momento da extração.

Vale dizer, o ICMS não incidirá sobre o minério, mas sobre operação de circulação (exteriorizada pela extração) com o mesmo. Portanto, não há que se cogitar de tributação de bem da União por tributo estadual.

Por outro lado, a sujeição passiva tributária na operação de exploração do minério recairá sobre o concessionário-extrator na condição de contribuinte (e não de substituto tributário). Vale dizer, trata-se de responsabilidade tributária direta do extrator por operação (de extração) por ele praticada; o extrator é devedor tributário direto, por débito próprio, diferentemente do que ocorre no regime de substituição tributária.

Registre-se, por oportuno, que a compensação financeira prevista no art. 20, § 1º da Constituição Federal devida pelo extrator em face do minério por ele extraído não impede a incidência do ICMS sobre a operação de extração do minério, haja vista o fato de que aquela compensação consubstancia receita estatal originária, de caráter indenizatório, logo, de natureza não-tributária, diferentemente do regime jurídico constitucional dos tributos, como o ICMS.

Vale observar que a interpretação supra exposta levou a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro a aprovar por unanimidade Mensagem da Governadora daquele Estado, Rosinha Matheus, estabelecendo a extração do petróleo como fato gerador do ICMS. Esta lei, já aprovada, deverá ser sancionada pela Governadora na próxima semana, permitindo que aquele Estado possa ter a contrapartida tributária pelo petróleo extraído de seu território.

Na mesma trilha, a Deputada Estadual signatária do presente artigo apresentou na última semana Projeto de lei (indicativo) prevendo a extração de minério como fato de exteriorização do processo circulatório com estas mercadorias, permitindo, com isso, que o Estado do Pará possa ter a contrapartida tributária do minério extraído em seu solo. O aludido projeto de lei encontra-se atualmente sob análise da área técnica do Governo do Estado e oxalá possa o Estado do Pará aproveitar a oportunidade para expressar o espírito de vanguarda que sempre marcou o povo paraense.