Repasse de tributos

O Código Tributário Nacional – CTN determina (art. 166) que a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

A devolução de tributos indevidamente exigidos pelo Poder Público depende de uma adequada interpretação deste texto normativo, tendo em vista a circunstância de que o mesmo não raras vezes vem sendo utilizado pelos entes tributantes para negar o direito dos contribuintes àquela restituição.

A primeira conclusão que se extrai da exegese da citada regra é de que a mesma tem caráter excepcional, na medida em que se aplica apenas a uma parcela reduzida de tributos, quais sejam, aqueles que, pela sua natureza, admitem a transferência do respectivo encargo financeiro. Desde logo, tributos que não possuem esta especial natureza estão fora do alcance da regra excepcional.

Esta observação preliminar é importante para afastar a interpretação de que aquela regra se aplicaria a todos os tributos recolhidos pelas unidades produtivas, já que, sob uma perspectiva meramente econômica, todo e qualquer encargo tributário é transferido para o custo de bens e serviços negociados no mercado. Se a regra se dirige apenas aos tributos que, por sua natureza, comportem a transferência do encargo financeiro, por óbvio, não se aplica a todo e qualquer tributo, mas apenas a uma espécie de tributo.

Em segundo lugar, necessário definir o que seja “comportar, pela sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro”.

A natureza de um tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevante a sua denominação e a destinação legal do produto de sua arrecadação, conforme prescreve o artigo 4º do CTN. Assim, a definição da natureza do tributo, para efeito de restituição, tem que ser considerada sob um perspectiva jurídica (jamais econômica) já que derivada da análise das características de cada respectivo fato gerador da obrigação tributária.

Embora todo tributo comporte economicamente a transferência do encargo respectivo, para isto basta o contribuinte exigir o repasse do ônus tributário, identificando-o (“por fora” ou “por dentro”) no preço de bens e serviços, juridicamente apenas os tributos que têm este repasse como elemento inerente à sua hipótese de incidência é que estão incluídos na regra restritiva do art. 166 do CTN. Logo, a transferência do encargo financeiro é noção que está ligada à natureza jurídica do tributo e não ao eventual repasse econômico do custo tributário ao preço de bens e serviços, circunstância que não interessa ao plano do regramento jurídico da restituição de indébitos tributários.

Fica a questão de como definir o critério de identificação dos tributos cuja natureza jurídica comporta a transferência do encargo financeiro. O cerne da questão encontra-se na imposição legal de destaque do ônus tributário no momento da materialização do fato tributário, para efeito de aproveitamento por outrem do respectivo ônus (como crédito) em outras operações tributáveis pelo mesmo tributo.

Vale dizer, os tributos cuja natureza comportam a transferência do encargo tributário são aqueles em que este encargo é, por força de lei (logo, juridicamente), destacado e repassado a outrem que o paga como parte do preço da operação tributável. Nesta categoria, incluem-se os tributos que incidem sobre circulação econômica e cuja técnica de incidência impõe a transferência do encargo tributário, através da técnica da não-cumulatividade tributária, a saber, ICMS e o IPI. Nestes tributos, a transferência do encargo financeiro é da natureza do tributo, haja vista a determinação legal de identificação e destaque do mesmo.

O ISS é tributo que também incide sobre a circulação (de serviços), todavia não é alcançado pela regra do art. 166, uma vez que a natureza do seu fato gerador, definido pela LC 116/03 não impõe a transferência do respectivo encargo financeiro, mediante o destaque do mesmo. Em outro dizer, embora economicamente o contribuinte de ISS (prestador de serviços) possa transferir o ônus representado pelo ISS ao tomador dos serviços, através do seu destaque “por fora” ou “por dentro” do preço dos serviços tributados, a devolução deste tributo não se submete à regra do art. 166 na medida em que a natureza do fato gerador do ISS juridicamente não impõe aquela transferência. A questão da transferência do encargo é jurídica e não econômica, do contrário, a regra do art. 166 perderia sentido normativo, pois dependeria da vontade dos agentes econômicos e não da natureza jurídica do tributo.

A transferência do encargo tributário deve preencher três condições: a) ser imposta pela lei, b) ser destinada à definição do quantum a ser aproveitado por outrem na apuração da base de cálculo do mesmo tributo e c) ser objeto de destaque em cada operação tributável. A transferência jurídica do ônus tributário opera-se apenas e tão somente nos tributos que contemplam a sistemática de débitos e créditos, os quais devem estar vinculados e constituir a expressão econômica do fato jurídico tributável.

Portanto, o repasse jurídico do encargo financeiro a que alude o art. 166 do CTN exige e pressupõe incidências tributárias apoiadas em transferência de ônus tributário imposta pela lei (e não produto da decisão negocial do contribuinte), no bojo de tributo cuja natureza jurídica comporte o aproveitamento deste ônus por outrem, ônus este que deve se materializar através do destaque de um crédito ligado necessariamente à operação tributável. Assim sendo, na devolução de tributo indevido somente deve ser exigido do contribuinte a prova da assunção do encargo tributário ou da autorização de terceiro a que alude a regra do art. 166 do CTN, nas hipóteses de tributos que preencham as citadas características jurídicas, que no Brasil, atualmente, são apenas o ICMS e o IPI.