Penas fiscais

Já que não se consegue chegar a um consenso mínimo acerca das grandes questões estruturais que envolvem a reforma do sistema tributário brasileiro, precisamos urgentemente realizar uma ampla revisão do sistema legal de penalidades tributárias, alteração que pode ser viabilizada por simples leis ordinárias.

É comum o debate acerca da alta carga tributária brasileira, no entanto, infelizmente pouca atenção é dedicada ao tema das multas tributárias, o qual constitui um reflexo daquele mal maior.

A impontualidade no cumprimento de obrigações tributárias ainda gera a imposição de sanções na sua grande maioria concebidas por leis que sofreram a influência do período inflacionário, onde a penalidade tributária precisava ser extremamente severa de modo a desestimular a evasão fiscal, pois o contribuinte, apenado com uma multa baixa, poderia ser tentado a deixar de cumprir ou postergar o cumprimento do seu dever tributário para aproveitar-se do desgaste da moeda decorrente do processo inflacionário.

No entanto, após a estabilização da moeda já não mais se justifica a imposição de multas tributárias que chegam a duzentos por cento na legislação de alguns Estados e de cento e cinqüenta por cento na legislação federal. Não me parece que a elevação dos percentuais de penalidades tributárias tenha influído positivamente no grau de cumprimento dos deveres tributários pelos contribuintes brasileiros.

Com efeito, é fato notório que não obstante preveja penas tributárias no níveis supra comentados, o sistema tributário brasileiro é marcado justamente pelo altíssimo grau de evasão fiscal, o que prova o acerto da moderna teoria do direito sancionatório quando afirma que mais vale a certeza de uma punição do que a previsão legal de uma punição muito severa, mas nem sempre eficaz.

A previsão de penalidades tributárias muito duras aliada a uma das mais altas cargas tributárias do mundo, na prática, têm funcionado como um estímulo à evasão fiscal, na medida em que o contribuinte, sabedor de que não consegue cumprir os seus deveres tributários nem arcar com a responsabilidade patrimonial decorrente deste descumprimento, simplesmente se evade do alcance da lei tributária, utilizando muitas vezes artifícios claramente dolosos.

É sabido que as sanções devem ter por função punir a prática de atos atentatórios aos desideratos legais bem como desestimular a ocorrência de atos desta natureza. No Brasil, a experiência demonstra que o elevado grau de penalidades tributárias não têm cumprido qualquer desses dois objetivos, seja porque o grau de recebimento de créditos tributários em fase de execução fiscal é baixíssimo, em proporção ao total lançado pela autoridades fiscais, seja porque a evasão fiscal vem aumentando claramente nas últimas décadas.

Além das multas fixadas em elevados percentuais, merece registro a imposição de juros de mora sobre os créditos tributários eventualmente não recolhidos pelo contribuinte. No âmbito federal, a título exemplificativo, o crédito tributário não pago no vencimento dá azo a imposição de juros de mora calculados com base na taxa SELIC, atualmente em torno de vinte por cento ao ano. Importante registrar que esta Taxa varia consoante a atual política econômica de controle da inflação: quanto maior a tendência inflacionária, maior o nível da taxa. Em outro dizer, o contribuinte em dívida com o Fisco acaba pagando um crédito tributário maior em face do eventual viés inflacionário da economia.

Vale dizer, um contribuinte que por qualquer razão de cumprir o seu dever tributário além de sofrer uma penalidade que pode superar cem por cento a título de multa ainda deve arcar com juros de cerca de vinte por cento ao ano. Em outro dizer, em quatro ou cinco anos o crédito tributário não recolhido simplesmente dobra de valor somente com a incidência de juros de mora.

Este estado de coisas tem gerado um crescimento assustador das Dívidas Ativa dos Fiscos, principalmente Federal e Estaduais, cuja conseqüência é uma avalanche de execuções fiscais com baixíssimo grau de sucesso, haja vista as dificuldades naturais que um processo judicial desta natureza engendra mesmo para os advogados públicos mais dedicados e competentes.

É preciso analisar esta situação sob o ângulo da eficiência (aliás, um dos princípios fundantes da Administração Pública, conforme determina a Constituição Federal Brasileira – art. 37, caput). Ao invés de soluções inventivas (como aquelas representadas pelo REFIS e pelos diferentes parcelamentos alternativos, cujo acréscimo de taxa de juros à prestação torna uma quimera a quitação do crédito tributário), é hora de pensarmos na construção de um sistema de penalidades mais consentâneo com a realidade da economia brasileira.

Um sistema tributário mais ajusto e adequado à realidade brasileira não exige apenas uma ampla reestruturação das diferentes hipóteses de incidências tributárias, aliada a uma adequada repartição de competências tributárias sempre proporcionais aos respectivos encargos com a prestação de serviços públicos, requer também o redimensionamento das espécies e dos níveis de penalidades tributárias hoje existentes.