Juros e mora

Estou convencido que o contribuinte brasileiro teria muito a ganhar se os Poderes da República realizassem uma ampla revisão da sistemática de penalidades e acréscimos moratórios (ou não) incidentes sobre o crédito tributário. O tema dos juros em matéria tributária é revelador de algumas flagrantes distorções, para não dizer injustiça, ainda existentes.

Primeiramente, entendo que em um ambiente de estabilidade econômica não tem sentido adotar como taxa de juros de mora aplicável aos créditos tributários a mesma que é utilizada para o controle da inflação e que reflete a conjuntura da política econômica. Assim sendo, parece-me inadequado, do ponto de vista de política tributária, adotar-se a Taxa Selic como índice de juros de mora dos créditos tributários, como ocorre atualmente com os créditos da União Federal.

Em uma economia estabilizada e com penalidades tributárias fixadas segundo inspiração draconiana, uma taxa de juros de meio por cento ao mês, seria mais do que suficiente para punir o contribuinte inadimplente pela sua mora, sem que tal punição possa representar o aniquilamento da unidade econômica. É hora de expulsar do Direito Tributário a cultura usurária que vem contaminando a economia brasileira.

Outra questão a requerer revisão é aquela relativa à incidência de juros durante o período em que contribuinte discute administrativamente a validade de uma autuação fiscal. Atualmente, impugnado um lançamento fiscal pelo contribuinte, a Administração Pública demora meses, às vezes anos, para decidir o litígio instaurado pelo contribuinte. A conseqüência desta demora é que com a incidência de juros de cerca de vinte por cento ao ano, em cinco anos o contribuinte vê dobrar o crédito tributário por ele contestado. Vale dizer, ao optar por exercer o direito constitucional de contestar administrativamente uma exigência fiscal, o contribuinte é punido com o aumento do crédito tributário contra o qual se insurgiu.

O ponto central é: o contribuinte está em mora durante o período em que aguarda a Administração Pública decidir acerca da validade de uma exigência fiscal por ela promovida?

Parece óbvio que não. Se a Administração Pública demora para decidir um litígio administrativo não pode juridicamente exigir acréscimo moratório do indivíduo que simplesmente exerceu o seu direito constitucional ao devido processo legal administrativo, com as garantias do contraditório e da ampla defesa.

Segundo o Código Tributário Nacional – CTN, o crédito tributário é constituído pela autoridade fiscal através do lançamento, que segundo a dicção legal (art. 412, do CTN), é um procedimento, ou seja, série ordenada de atos destinados a uma finalidade. Logo, não há sentido em se exigir juros sobre um crédito tributário que sequer está concluído definitivamente, o que só ocorre com a conclusão do processo administrativo fiscal onde se delibera acerca da validade da exigência fiscal impugnada pelo contribuinte.

É sabido que a Administração Pública não tem aparato suficiente para decidir celeremente o conjunto de pleitos administrativos que lhe são dirigidos. No entanto, deve-se considerar duas circunstâncias: a primeira, de que a falta de condições administrativas não pode representar justificativa para a cobrança de juros do contribuinte em face da mora da Administração, na medida em que a máquina administrativa insuficiente para decidir rapidamente os pleitos individuais é a mesma que diariamente formula uma variedade de exigências indevidas, fatos geradores destes pleitos. A segunda – e fundamental – é que o contribuinte não tem qualquer responsabilidade pelas deficiências do aparato burocrático da Administração Pública.  Cobrar juros do contribuinte pela demora da Administração significa punir o cidadão pela ineficiência do Estado.

No âmbito federal, vale registrar que a legislação tributária prevê prioridade de julgamento dos processos administrativos que envolvem crime contra a ordem tributária ou elevado valor, bem como delega ao Secretário da Receita Federal a competência normativa para estabelecer a ordem e os prazos para julgamentos dos feitos administrativas. Ocorre que como esta disciplina nunca ocorreu, os processos continuam demorando meses, anos para terem uma definição na esfera administrativa, tendo o contribuinte que arcar com os juros durante todo este período de mora da Administração Pública.

No silêncio da legislação tributária específica – já que inexiste norma definindo prazos para o julgamento dos processo administrativos fiscais –  deve-se aplicar a norma geral que regula o processo administrativo na esfera federal (art. 69, Lei 9.784/99), segundo a qual “concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.” (art. 49). Assim sendo, no quadro da legislação já hoje existente, tornar-se ilegítima a incidência de juros de mora após sessenta dias de conclusão da instrução do processo fiscal.

Evidente que o ideal é que a mora da Administração em momento algum recaia sobre o contribuinte, mas enquanto uma reforma legislativa não vem, parece-me que pelo menos no âmbito federal a Lei 9.784/99 já oferece algum apoio ao contribuinte. Cabe aos legisladores estaduais regularem esta questão no âmbito dos seus respectivos Estados.

A questão dos juros em matéria tributária é apenas uma das inúmeras distorções que a legislação brasileira ainda contempla, talvez porque continue sendo concebida mais com o objetivo de oprimir, sufocar e ameaçar o contribuinte do que propriamente de arrecadar o tributo segundo padrões razoáveis de justiça e de razoabilidade na definição e na distribuição do encargo fiscal, de resto necessário para a afirmação do Estado Democrático de Direito.