Totalitarismo ambiental

Revela-se flagrante a necessidade de o Brasil construir um marco regulatório para a questão ambiental na Amazônia que concilie adequadamente os valores constitucionais da proteção do meio ambiente e do direito à propriedade, sob pena do acirramento do autêntico totalitarismo que vem cercando a matéria ambiental nos dias de hoje, que como toda e qualquer manifestação desta espécie deve ser duramente denunciada e combatida, haja vista sua incompatibilidade com os princípios jurídicos inspiradores do Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal (art. 225, caput) estabelece que todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A Floresta Amazônica brasileira é declarada constitucionalmente (art. 225, § 4º) patrimônio nacional e sua utilização far-se-á na forma da lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Por outro lado, a Carta Política também garante o direito de propriedade, impondo a este direito o ônus de atender à sua função social (art. 5º, XXII e XXIII).

O desafio reside em compatibilizar adequadamente, sob os parâmetros constitucionais do Estado Democrático de Direito, a proteção ao meio ambiente, sobretudo aquele relativo à floresta amazônica, juridicamente um patrimônio nacional, com o direito de propriedade daqueles que no livre exercício da prerrogativa que a Constituição lhes assegura compram, ou compraram no passado, terras em território amazônico com intuito produtivo.

Duas alternativas se põem. A primeira, considerar a literalidade do Texto Constitucional quanto à titularidade dominial do Estado brasileiro em relação à floresta amazônica e impedir qualquer dominialidade privada sobre as terras em que tal floresta estiver situada, haja vista o fato de que a mesma é declarada constitucionalmente patrimônio nacional. Esta alternativa impõe, também por força constitucional, a desapropriação de todas as terras de florestas e a indenização dos proprietários privados que ao longo dos anos adquiriram o seu direito de uso, devidamente comprovado. Essa opção equivale a efetivamente tornar a Floresta Amazônica um grande parque nacional, de titularidade pública, sobre o qual o setor privado não tenha ou exerça qualquer direito, daí porque os direitos antes adquiridos devem ser indenizados pelo Poder Público.

No entanto, esta alternativa pressupõe a capacidade do Poder Público para cuidar e zelar de sua propriedade, como qualquer titular de domínio útil procede, e tendo em vista a evidente e histórica incapacidade, inaptidão e incompetência do Poder Público para desempenhar esta missão (autêntico ônus do direito de propriedade), prefere o Estado Brasileiro optar por outro caminho.

Refiro-me à segunda alternativa de tratar o tema, qual seja, reconhecer a titularidade privada sobre as terras amazônicas, mesmo sobre aquelas em que se encontra a floresta, no entanto impor-se limitações legais à utilização e exploração econômica destas terras, em nome da proteção do meio ambiente e da função social da propriedade. É assim que o tema vem sendo tratado pela legislação brasileira.

Ocorre que a imposição de restrições ao direito de propriedade sobre terras amazônicas vem assumindo dimensões irrazoáveis e desproporcionais que beiram o aniquilamento do direito de propriedade e de outras garantais constitucionais, tudo em nome do objetivo de proteção ao meio ambiente. O Estado brasileiro, incapaz de promover diretamente medidas de adequado tratamento de terras que, constitucionalmente, constituem patrimônio nacional, opta pelo caminha mais fácil, qual seja, reconhece a propriedade privada sobre estas terras, no entanto restringe desarrazoadamente a utilização econômica dessa propriedade e ao mesmo tempo impõe aos particulares o dever de zelar por estas terras.

Nos quadrantes do Estado Democrático de Direito, não há direito subjetivo, valor, garantia ou objetivo constitucional absolutos, que não devam ser ponderados, equilibrados e balanceados com os demais. O juízo de balanceamento entre diferentes variáveis constitucionais, às vezes opostas, é natural ao sistema jurídico dos Estados de Direito. O que se percebe no Brasil, entretanto, é um totalitarismo hermenêutico em tema ambiental, consubstanciado na afirmação, tantas vezes repetida hodiernamente, de que o meio ambiente saudável corporifica um direito difuso, de titularidade de todos, e que, portanto, os comandos jurídicos que conduzem à preservação ambiental são dotados de uma superioridade hierárquica na escala de valores constitucionais.

Nada mais falso e arbitrário. Não há direito, garantia ou objetivo constitucional dotado, em qualquer circunstância, de superioridade normativa em relação aos demais, como sustentam os teóricos dessa nova espécie de totalitarismo hermenêutico. Todas as pretensões jurídicas garantidas constitucionalmente devem ser sopesadas e balanceadas, sob o crivo jurídico dos critérios (ou princípios) da razoabilidade e da proporcionalidade, e a regra constitucional que determina a proteção ao meio ambiente não foge a esta imposição hermenêutica, coração do Estado Democrático de Direito.

Evidentemente que o Estado brasileiro pode impor restrições à exploração econômica de terras na Amazônia, sobretudo aquelas que constituem patrimônio nacional (florestas), no entanto, tais restrições devem estar justificadas pela razoabilidade do ônus que representam, sob pena de inviabilidade do exercício ou manifesta destruição do direito de propriedade, garantia constitucional fundamental que não pode ser desconhecida. A validade jurídica das limitações impostas ao livre gozo do direito de propriedade em nome da preservação ambiental depende inexoravelmente da razoabilidade que devem obedecer.

Infelizmente o que vimos assistindo é a imposição de restrições legais irrazoáveis ao exercício do direito de propriedade sobre terras amazônicas, como a criação de imensas reservas florestais e outras limitações, que, na prática, aniquilam o direito de propriedade. Mais adequado constitucionalmente seria o Poder Público promover a desapropriação destas terras, e atendido o devido processo legal, indenizar os legítimos proprietários por tal ação.