Prazo para devolução

O prazo para o contribuinte pleitear, judicial ou administrativamente, a devolução de tributos recolhidos com base em leis posteriormente declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal é tema que continua a suscitar controvérsias no seio da doutrina e da jurisprudência, e ainda carece de uma solução definitiva e pacífica. Alguns pressupostos devem ser considerados na análise do tema.

Primeiro. O Código Tributário Nacional – CTN não regula o tema do recolhimento tributário inconstitucional. Não há em qualquer norma do CTN a menor referência ao tema da inconstitucionalidade tributária. As hipóteses de devolução tributária previstas no CTN (art. 165) deixam claro que o objetivo desta norma codificada não é regular a restituição do tributo inconstitucional, mas do tributo indevidamente recolhido pelo contribuinte, cuja causa seja o erro na interpretação da norma legal, na qualificação do fato tributável ou na quantificação do tributo devido.

Segundo. Recolhimento viciado pela pecha da inconstitucionalidade da lei que determinou o seu pagamento tem uma natureza jurídica diferente do tributo indevido por erro do sujeito passivo. A inconstitucionalidade da lei é patologia grave que atinge indelevelmente o ordenamento jurídico. A gravidade da inconstitucionalidade é demonstrada pelo vício de nulidade que atinge a lei inconstitucional, retirando-a da ordem jurídica desde o seu nascedouro. A natureza jurídica de um recolhimento indevido por erro do contribuinte é flagrantemente diferente de um recolhimento indevido por força da inconstitucionalidade da lei que o determinou. Naturezas distintas para causas jurídicas distintas.

Terceiro. A argüição de inconstitucionalidade de uma lei diretamente perante o Supremo Tribunal Federal não se submete a prazo decadencial, conforme reconhece esta Corte Máxima na Súmula 360. Vale dizer, a inconstitucionalidade não é fenômeno que possa ser validado com o decurso do tempo e com a inércia daquele a quem aproveitaria a sua declaração. A qualquer momento, pode o Poder Judiciário pronunciar a inconstitucionalidade de uma lei e a ação pleiteando tal reconhecimento não se submete a prazo decadencial. Nas palavras do Ministro Celso de Mello na ADIn 1247 MC-PA, “o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade não está sujeito a observância de qualquer prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial, eis que atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo.”

Quarto. É sabido por todos os que se dedicam às Letras Jurídicas, que o exercício de qualquer pretensão jurídica submete-se a prazos, sob pena da eternização dos litígios. No entanto, é assente também que estes prazos somente se iniciam quando estão presentes os elementos que permitem concluir pela lesão de um direito subjetivo, segundo o princípio da actio nata, consagrado no art. 189 do Novo Código Civil. No que tange às ações contra a Fazenda Pública o art. 1º do Decreto 20.910/32 consagra o mesmo princípio.

Diante dos pressupostos acima, é forçoso concluir que a pretensão jurídica destinada a promover a devolução de um tributo, cuja causa seja a inconstitucionalidade da lei tributária que determinou o seu recolhimento, somente há de se iniciar quando presente o fato que atesta a lesão ao direito do contribuinte, qual seja, a declaração de inconstitucionalidade da norma tributária pelo Supremo Tribunal Federal e a conseqüente retirada desta norma da ordem jurídica, pelo próprio Pretório Excelso, pelo Senado Federal, através de Resolução, ou pelo reconhecimento do sujeito ativo tributário quanto à existência da lesão, que dá azo à reparação do direito, via devolução do tributo inconstitucional.

Com o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei tributária pelo Guardião da Constituição e a retirada da norma da ordem jurídica, resta materializada a lesão ao direito individual de pagar tributos na conformidade do que estatui a Constituição Federal, fato que faz nascer a pretensão de pleitear a devolução de tudo aquilo que foi recolhido com fulcro na lei inválida, como impõe o princípio da nulidade da lei inconstitucional.

Necessário, no entanto, divisar o prazo para o exercício da pretensão jurídica de devolução do prazo alcançado pelo direito requerido. O prazo para o exercício da pretensão de reparação do dano causado pela lei inconstitucional é de cinco anos, conforme prevê o Decreto 20.910/32; após este prazo desaparece a pretensão. Por outro lado, o período alcançado pelo pleito de devolução, exercido no qüinqüênio, abrange todos os recolhimentos derivados da norma inconstitucional, haja vista a nulidade de que esta se reveste desde o momento em que gerou efeitos na ordem jurídica.

Este é o único entendimento capaz de compatibilizar o princípio da presunção de constitucionalidade da lei tributária – que seria abalado se admitíssemos que as pretensões jurídicas à devolução de um tributo surgem com o seu recolhimento – com os princípios da segurança jurídica, da confiança no ordenamento jurídico e da vedação ao enriquecimento sem causa do Estado, na medida em que este poderia se utilizar do decurso do tempo e da demora na definição das questões constitucionais pelo STF para alegar a prescrição de pleitos de devolução fundados em leis inconstitucionais e, assim, negar-se a devolver o tributo que exigiu dos contribuintes contra o que determina a Constituição.

Esta é, aliás, a exegese que o Tribunal Superior do Trabalho vem adotando em questão semelhante, conforme se constata na Orientação Jurisprudencial nº 344, segundo a qual “o termo inicial do prazo prescricional para o empregado pleitear em juízo diferenças da multa do FGTS, decorrentes dos expurgos inflacionários, deu-se com a edição da Lei Complementar nº 110, de 29.06.01, que reconheceu o direito à atualização do saldo das contas vinculadas.” Reconhece este Tribunal Superior que somente com o reconhecimento  pelo legislador de uma lesão jurídica ocorrida no passado é que se inicia o prazo para os  prejudicados pleitearem a sua reparação.

Portanto, somente com actio nata, momento em que se configura a lesão ao direito, que, no caso comentado é o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei tributária pelos agentes autorizados pela ordem jurídica, é que se pode cogitar de início do prazo para o contribuinte pleitear a devolução de tributo recolhido com base na lei tributária inconstitucional.