Resolução Senatorial

Estou absolutamente convencido de que o prazo para o indivíduo obter reparação de lesões a direitos individuais causadas por normas inconstitucionais somente pode se iniciar quando estas normas forem retiradas da ordem jurídica por qualquer dos mecanismos de expulsão previstos no ordenamento, que no caso do controle concentrado de constitucionalidade é a própria decisão do Supremo Tribunal Federal com efeitos gerais e vinculantes, e, na hipótese de controle difuso de constitucionalidade, a Resolução Senatorial e a Súmula vinculante.

A recente edição pelo Senado Federal de várias Resoluções suspendendo a execução de normas declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, julgando casos concretos, em decisões que afetam apenas as partes envolvidas na causa, no bojo, assim, de controle difuso de constitucionalidade, confere-me a oportunidade de formular algumas considerações sobre o tema.

A Constituição Federal atual (art. 52, X) reconhece ao Senado Federal a competência para, através de Resolução, suspender a execução, no todo em parte de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Esta competência senatorial, surgida por razões de harmonia federativa, tem raízes na Constituição Federal de 1934 e já foi alvo de inúmeras controvérsias na doutrina e na jurisprudência, conforme expus na obra “Coisa julgada tributária e inconstitucionalidade”, recentemente publicada pela editora Dialética.

No entanto, fundamental é reconhecer que o tema da Resolução Senatorial, seus efeitos, extensão e objeto, continua em permanente evolução, pois revela uma tendência manifesta do Direito Brasileiro de estender a todos as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo aquelas em que esta Corte julgando um caso individual, define uma “questão constitucional” de alcance geral. Esta tendência supera os vetustos compromissos doutrinários e mesmos as consolidadas posições jurisprudenciais acerca dos estreitos limites das decisões da Corte Constitucional em sede de controle difuso de constitucionalidade, as quais, em tese, deveriam afetar apenas as partes envolvidas no caso individual levado à julgamento pelo Pretório Excelso.

A necessidade de uniformidade jurisprudencial e de eficácia geral e vinculante das decisões do Supremo Tribunal tem como causa o imperativo de isonomia e justiça, no sentido de que todos os destinatários da norma cuja validade é apreciada pelo Supremo Tribunal Federal devem se submeter ao decidido pela Corte, seja para obedecer ao comando da norma (quando afastada a sua inconstitucionalidade), seja para furtar-se à sua obediência e obter a reparação à lesão que a sua aplicação já tenha causado (quando a inconstitucionalidade é declarada).

A imposição de uniformidade jurisprudencial levou o Senado Federal, através da Resolução nº 51, de 14 de julho de 2005, a suspender inclusive dispositivo da Constituição Estadual do Estado de São Paulo, considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso de constitucionalidade, conferindo, assim, interpretação ampliada à expressão “lei”, constante do art. 52, X da CF que assegura a competência senatorial para suspender a execução de normas declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal.

Em outro dizer, a necessidade de se conferir efeito geral às decisões do Supremo Tribunal Federal tem levado o Senado Federal a suspender, mediante Resolução, não apenas a execução de leis, mas também de dispositivos de Constituições Estaduais, desde que declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal em decisões com efeitos apenas para as partes. Com esta interpretação, o Senado Federal reafirma o compromisso com a eficácia geral das decisões de inconstitucionalidade de normas (não apenas de leis) proferidas pela Corte Máxima.

Com efeito, a Resolução Senatorial tem indubitavelmente um caráter generalizante e extensivo da inconstitucionalidade, cuja conseqüência jurídica é de revelar o que os romanos designaram actio nata, isto é, a configuração do direito lesado pela norma declarada inconstitucional que, nos termos da tradição do direito brasileiro, tem o condão de instaurar o prazo para que os prejudicados com a aplicação desta norma possam pleitear a reparação dos seus respectivos direitos.

Este é o efeito jurídico, por excelência, da Resolução Senatorial. A “suspensão da execução” da norma inconstitucional mediante Resolução Senatorial, a que se refere o art. 52, X da Carta Política, equivale estrutural e pragmaticamente à decisão do Supremo Tribunal Federal que declara a inconstitucionalidade com eficácia geral, em sede de controle concentrado de juízo de constitucionalidade, a qual retira a norma inválida da ordem jurídica, em regra desde o seu nascedouro, e restaura as normas que tenham eventualmente sido por ela revogadas.

Nesta trilha, no que tange ao Direito Tributário, necessário reconhecer, tal como recentemente fez o Tribunal Superior do Trabalho em questão similar (expurgos nas contas do FGTS), que só com a retirada da lei tributária da ordem jurídica, através da Resolução Senatorial ou qualquer dos mecanismos de “expulsão” da norma inconstitucional, ou ainda mediante o reconhecimento da invalidade pelo poder tributante, é que se instaura o prazo para o indivíduo pleitear individualmente a restituição de tributos recolhidos indevidamente em cumprimento daquela norma inconstitucional.

Portanto, após as recentes Resoluções editadas pelo Senado Federal resta definido que, sob a égide da atual Constituição Federal, tem aquela Casa Legislativa atribuições para suspender a eficácia não apenas leis e de atos infraconstitucionais, mas sim de toda e qualquer norma jurídica (em sentido amplo) considerada inválida pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de inconstitucionalidade.