Novo Refis?

Começam a surgir novas pressões do empresariado nacional por mais um programa de refinanciamento dos débitos do setor produtivo com o Fisco Federal. Considerando que o próximo ano é eleitoral, não duvido que a União Federal reconheça a legitimidade do pleito do empresariado.

Legitimidade à parte, o fundamental é que os setores organizados da sociedade civil brasileira meditem profundamente sobre a questão do endividamento do setor privado com o setor público, suas causas e os possíveis caminhos legislativos a serem trilhados.

É evidente que a causa do problema está na carga tributária desproporcional e irracional a que é submetida à sociedade brasileira. Mas enquanto os destinos nacionais forem ditados pelas opções política relativas ao nível do superávit primário, ou em outras palavras, pelo nível de juros que a sociedade brasileira deve suportar para remunerar os credores do falido Estado brasileiro, o debate sobre a redução da carga tributária resta comprometido.

No entanto, acredito, e venho repetindo insistentemente isso, que entre as causas do gigantesco endividamento tributário do setor privado junto ao setor público está o nível de penalidades e acréscimos moratórios imposto sobre quem descumpre um dever tributário com o Fisco brasileiro.

A legislação brasileira contempla multas tributárias que em alguns Estados da Federação supera cem por cento do valor do crédito tributário principal, mais juros de mora muitas vezes atrelados à Taxa Selic a qual gira em torno de vinte por cento ao ano. Vale dizer, um contribuinte que não recolhe no prazo (cada vez mais curto) o tributo devido ao Fisco pode sofrer penas que chegam a dobrar o valor do crédito tributário, valor que ainda é acrescido de juros de mora de cerca de vinte por cento ao ano.

É evidente que com um quadro legal prevendo penalidades desta natureza, agregado a uma carga tributária nitidamente extorsiva, o número de contribuintes inadimplentes com Fisco sofre diariamente um sensível aumento, forçando o empresário a optar pela informalidade, como única forma de defesa contra a fúria fiscal.

No momento em que se cogita de um novo Refis, necessário observar as causas do fracasso dos anteriores programas de similar natureza. Os dados sobre o insucesso destes programas são autoexplicativos (Valor, 15/09/05). Dos 374.635 contribuintes inscritos no Parcelamento Especial de Dívidas Tributárias (PAES) em 2003, permanecem apenas 209.514. No Programa de Recuperação Fiscal (Refis 1), de 2000, o quadro é ainda pior: das 129. 177 empresas que aderiram, restaram 25.829.

O refis tem um estoque de R$ 52,56 bilhões de dívidas tributárias e registra arrecadação mensal média de R$ 69 milhões. No caso do Paes, o estoque é de R$ 75,62 bilhões e mensalmente arrecada-se apenas R$ 262 milhões. De acordo com a Procuradoria da Fazenda Nacional, 977 contribuintes (com débitos acima de 10 milhões) representam 57,85% do volume dos quase 210 mil inscritos (Valor, 15/09/05).

Esses números permitem algumas conclusões. A primeira constatação é que a grande maioria dos contribuintes, em regra pequenas e médias empresas, inscrevem-se nos programas e não conseguem arcar com as prestações, o que redunda a sua exclusão. Fato que, a meu juízo, decorre dos juros imputados ao débito consolidado, que agregada à carga tributária presente, sufoca aqueles contribuintes, impedindo que cumpram com as dívidas renegociadas.

Logo, revela-se claro que consolidar a dívida passada e continuar computando juros sobre a mesma (ainda que menores) induz a inadimplência e o abandono do programa. O ideal para pequenas e médias empresas, seria consolidar-se a dívida, se possível, promovendo uma redução das draconianas penalidades impostas no passado, e permitir-se um parcelamento com parcelas fixas, sem acréscimo de juros, pelo menos durante alguns anos. O tempo deste parcelamento poderia variar de acordo com o tamanho da dívida e do patrimônio líquido da empresa, e não com relação ao faturamento.

Se em um universo de 210 mil contribuintes, apenas 970 representam 58% do total arrecadado, é óbvio que o programa apenas tem obtido êxito com esse universo reduzido de contribuintes que mesmo com um endividamento superior a 10 milhões de reais consegue cumprir com as regras do refinanciamento. Logo, devemos pensar em regras diferentes para a grande maioria dos inscritos no programa, pequenas e médias empresas, que não conseguem cumprir com o acordado com o Fisco.

Quando se compara o nível de arrecadação com o montante total de créditos tributários incluídos nos diferentes programas, observa-se que não se tem uma redução do estoque dos créditos da União Federal com o setor privado, na medida em que os valores mensalmente arrecadados refletem apenas e tão somente os juros imputados ao principal da dívida. Vale dizer, o que estamos assistindo é apenas uma rolagem da dívida e não um programa que definitivamente livre a sociedade do seu maior credor – o Fisco.

Qualquer programa de refinamento de créditos tributários estará novamente fadado ao fracasso caso não contemple: a) uma sensível redução de juros e multas já lançados aliada a uma ampla revisão da legislação tributária pertinente; b) regras diferenciadas para contribuintes grandes, médios e pequenos; c) parcelas fixas sem acréscimo de juros pelo menos durante um período determinado de alguns anos; d) abandone o faturamento como base de cálculo dos pagamentos parcelados, tendo em vista a circunstância de que “faturamento” não significa aptidão para contribuir, como os formuladores da política fiscal deste país ainda não aprenderam.

Enfim, a tarefa de construir um novo programa de financiamento de dívidas fiscais exige o reconhecimento dos erros cometidos no passado – atitude que no Brasil é rara – e a disposição de implementar medidas que efetivamente resolvam o problema e não representem apenas mais um remendo legislativo com nítido conteúdo eleitoral e manifesto apelo demagógico.