A Amazônia e os estrangeiros

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 24.01.2006

 

Recentemente os meios de comunicação divulgaram nota de desagravo da Associação dos Magistrados do Estado do Pará à manifestação pública feita por ilustre advogado à decisão do juiz de direito da Vara Agrária de Altamira. Procurei detalhes sobre a questão, e recebi mensagem eletrônica com cópia de uma carta daquele advogado ao presidente da referida Associação. Com saudável cordialidade, o advogado dirigiu-se ao representante da categoria para esclarecer que ele, sim, foi primeiramente vítima de ofensa pelo juiz agrarista, nos autos do processo; que seus clientes – pecuarista produtivos e cumpridores da legislação ambiental – estão sendo massacrados pela decisão do juiz, que está estimulando mais invasões e gerando desestabilização social; que ficou comprovado o respeito à legislação ambiental e à produtividade da propriedade nos 20% restantes, afora os 80% respeitantes à reserva florestal.

Também recebi o texto da exceção de suspeição manejada contra o titular da Vara Agrária. Além de outras questões técnicas sacudidas com a veemência peculiar àquele causídico, causaram-me espécie duas circunstâncias levantadas contra o aludido Magistrado.

A primeira relativamente à inusitada tese da exigência, pelo Judiciário, da comprovação do cumprimento da função social da propriedade, há muito superada pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a circunstância de que compete exclusivamente ao Poder Executivo fazer tal avaliação e, em caso de desapropriação, responsabilizar-se pelo pagamento. Assim, segundo predominante entendimento jurisprudencial, é função estranha ao Poder Judiciário exigir que se comprove nos autos de processos judiciais o cumprimento da função social da propriedade em litígio.

A segunda questão atine à acusação de o magistrado ter deferido reintegração de posse a uma empresa estrangeira (a holandesa Precious Woods) que se diz possuidora da espantosa área de 80.000 (oitenta mil) hectares de terras que são, de fato, propriedade da União Federal. Concluiu o advogado que tal apossamento é uma deslavada grilagem, agora acobertada pela proteção judicial deferida pelo juiz da Vara Agrária de Altamira. Para embasar-se, o advogado faz referência a duas matérias jornalísticas do jornal O Liberal e a documentos cujas cópias possui. Baseio-me em sua absoluta idoneidade para citá-los aqui.

A denúncia é grave e deve ser investigada exaustivamente, pois diz respeito à dilapidação do patrimônio público federal (exploração de madeira) e ao apossamento por estrangeiros de terras públicas brasileiras. É hora de se perguntar onde estão o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, as Forças Armadas, a ABIN, o IBAMA, e todo aquele aparato que se amontoou para encontrar os assassinos da americana Dorothy Stang? Será que as autoridades federais brasileiras só estão prontas para tutelar interesses de estrangeiros contra brasileiros? Será que a tão anunciada invasão da Amazônia por estrangeiros já existe com o conluio das autoridades federais? E a Corregedoria do Tribunal de Justiça buscou investigar se as afirmações do advogado procedem e saber do juiz por que não mandou o caso à Justiça Federal, uma vez tratar-se de patrimônio da União Federal?

Casos como este não podem passar à margem do debate transparente e público da sociedade brasileira. Estou convencido que a tão propalada invasão da Amazônia não se fará com tanques e soldados, mas com pequenas e cotidianas ações de apossamento do território nacional por alienígenas, com a utilização das mais diferentes e criativas estratégias.

Quem anda pelo interior da Amazônia percebe à clareza solar a presença de indisfarçável exército de estrangeiros apoderando-se da inigualável riqueza da floresta e é inconcebível que o Poder Público não tome medidas concretas para ao menos disciplinar melhor esta questão, além evidentemente de combater os excessos que já existem.

Os fatos narrados pelo advogado exigem das autoridades constituídas uma resposta pronta e rápida, sob pena de assistirmos a mais uma violência institucional contra o patrimônio público e a Amazônia.