Iniquidade Fiscal

A tão esperada redução de carga tributária somente será possível se a decisão política de cortar gastos e imprimir padrões de eficiência similares aos da iniciativa privada for tomada pelos governantes de plantão. Não há mágica, sem corte de despesas e eficiência na máquina pública, o nível de tributação tende a permanecer o mesmo ou até aumentar se a gastança continuar na mesma toada.

No entanto, o Brasil avançaria sobremaneira se algumas iniqüidades da legislação tributária fossem abolidas. O tratamento dos desvios da legislação tributária não influiria relevantemente no nível de arrecadação e, por outro lado, ajudaria a desarmar um pouco os espíritos envolvidos nesta batalha que é a imposição fiscal.

Injustiça fiscal me parece vem sendo cometida contra as pequenas e médias empresas que recolhem seus tributos pelo SIMPLES e encaram o desafio de exportar mercadorias e serviços.

Em curtas palavras, o SIMPLES é um sistema unificado de arrecadação através do qual as empresas que têm faturamento anual até um determinado valor, recolhem unificadamente o imposto de renda-pessoa jurídica, a contribuição social sobre o lucro, o PIS, a COFINS, a contribuição previdenciária devida ao INSS e o IPI (quando for o caso) através de uma alíquota incidente sobre o seu faturamento.

O SIMPLES é um sucesso em termos de simplificação tributária e de expansão da base de contribuintes, trazendo para a formalidade pessoas que antes ignoravam os seus deveres tributários, além de representar um tratamento tributário digno para pequenas e médias empresas.

Ocorre que o Fisco vem interpretando a legislação do SIMPLES (que foi editada em favor das pequenas e médias empresas) com um rigor que, me parece, contradiz os objetivos da própria regulação.

Tal ocorre, por exemplo, com a não incidência de contribuições sociais sobre as receitas de exportação, garantida pelo art. 149, § 2º, I da Constituição Federal. Segundo a interpretação do Fisco Federal, esta regra constitucional que objetiva claramente desonerar de contribuições sociais (basicamente PIS e COFINS) as receitas de exportação não se aplica às empresas que recolhem seus tributos na sistemática do SIMPLES.

É de clareza solar que a imunidade constitucional dirige-se às receitas de exportação (é, assim, objetiva) e não cogita da sistemática de recolhimento a que está sujeito o contribuinte que tiver receita de exportação. Onde o Texto Constitucional expressamente não restringiu, não compete ao intérprete limitar, segundo clássico princípio de Hermenêutica Jurídica.

No entanto, segundo as autoridades fiscais, a legislação do SIMPLES impede que o contribuinte goze de outros incentivos e benefícios fiscais, razão pela qual a imunidade constitucional das receitas de tributação não lhes alcançaria.

Esta interpretação oficial, com o devido respeito que as autoridades fiscais merecem, não encontra guarida constitucional.

Primeiro, porque desconhece que a imunidade constitucional é objetiva e sem condicionamentos. Receita de exportação (seja auferida por quem for) não deve sofrer a incidência de contribuições sociais. Ponto. É esta a regra constitucional.

Segundo, porque interpreta o alcance de uma regra constitucional, a partir da legislação infraconstitucional, invertendo todo o processo de Hermenêutica Jurídica, segundo o qual o sentido das regras jurídicas infraconstitucionais deve ser obtido a partir do que prevê a Carta Política e não o contrário.

Terceiro, porque inverte a teleologia da interpretação jurídica. As regras constitucionais e infraconstitucionais relativas à pequena e média empresa têm por objetivo (telos) a criação de um estatuto jurídico mais favorável a estas unidades econômicas. A interpretação oficial inverte este objetivo, na medida em que reconhece a imunidade para a grande empresa e retira do alcance da regra constitucional desonerativa as pequenas e médias empresas que deveriam ser favorecidas pelo regime tributário especial.

Em resumo, segundo a interpretação oficial, as grandes empresas exportadoras (como Vale do Rio Doce, Petrobrás et caterva) não devem pagar PIS e COFINS sobre a receita que auferem com suas vendas ao exterior, mas as pequenas e médias empresas (aí incluído o pequeno artesão) optantes pelo SIMPLES devem recolher aqueles tributos.

Em outro dizer, o objetivo de desonerar de tributos a exportação só vale para as grandes empresas.

O tratamento de iniqüidades como a citada acima seria salutar para um Estado que precisa crescer, estimular as exportações e incentivar o empreendedorismo, além de contribuir para o resgate da legitimidade da cobrança de tributos.