Renda e movimentação bancária

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 19.04.2005

 

Afigura-se cada vez mais comum a lavratura de lançamentos fiscais veiculando a exigência de imposto de renda fundados apenas na movimentação bancária ou na simples existência de saldos ou de meros lançamentos bancários a crédito do contribuinte. Esta situação pode revelar o que tecnicamente denomina-se omissão de receita ou de rendimento.

A legislação tributária considera como omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações (Lei nº 9.430/96).

Para efeito de determinação da receita omitida, os créditos bancários serão considerados individualizadamente, devendo ser excluídos a) os créditos decorrentes de transferências de outras contas do mesmo contribuinte e, b) no caso de pessoas física, os créditos de valor igual ou inferior a doze mil Reais, desde que o seu somatório, dentro do ano, não ultrapasse oitenta mil Reais (Lei nº 9.481/97).

No caso de pessoa física, configurada a omissão de receita, a legislação determina a tributação do respectivo montante no mês em que considerados recebidos pelo contribuinte, com base na tabela progressiva vigente à época em que tenha sido efetuado o crédito pela instituição financeira.

As citadas normas estabelecem uma presunção legal vazada nos seguintes termos: não comprovada a origem de recursos creditados em contas bancárias, presume-se que tais recursos têm origem não declarada ao Fisco, logo, não tributada.

Esta presunção, desde logo, impõe um severo dever ao contribuinte, sobretudo à pessoa física, qual seja, criar uma autêntica contabilidade particular no bojo da qual sejam registradas analiticamente todas as operações bancárias realizadas, aí incluídas saques, depósitos, pagamentos on-line, cheques emitidos, etc. Em outro dizer, o direito brasileiro impõe ao contribuinte pessoa-física o inelutável dever de registrar e identificar em caráter particular toda e qualquer movimentação bancária realizada.

Com efeito, através da citada legislação, sob a perspectiva do controle analítico da movimentação bancária, o Estado brasileiro acabou por tratar o contribuinte pessoa física da mesma forma que o contribuinte pessoa jurídica, obrigado por lei a ter livros mercantis que registrem diariamente as operações empresariais. Para evitar o imprevisto de uma fiscalização fundada em movimentação bancária devidamente autorizada por lei, deve a pessoa física manter registro diário, individualizado e analítico de todas as operações bancárias que realiza. Por tudo isso, parece clara a irrazoabilidade da citada legislação no que toca à pessoa física.

No entanto, mais relevante é observar que lançamentos fiscais estão sendo lavrados, apoiados na citada presunção legal de omissão de receitas tributáveis, considerando apenas valores constantes de extratos bancários e simples cheques emitidos, sem demonstração de sinais exteriores de riqueza do contribuinte, aptos a confirmar a presunção legal de evasão fiscal.

Embora não prevista expressamente na disciplina da Lei nº 9.430/96, parece-me que a presunção legal por ela veiculada não dispensa a demonstração pela fiscalização da presença de sinais exteriores de riqueza incompatíveis com a renda declarada pelo contribuinte. Vale dizer, a presunção legal requer a adição de outros elementos fáticos necessários a conferir certeza e credibilidade ao lançamento fiscal, tais como a demonstração de que os créditos bancários não justificados traduziram-se em renda (não oferecida à tributação) consumida pelo contribuinte.

Não desconheço que a utilização de “sinais exteriores de riqueza” é elemento presente expressamente apenas nas hipóteses de arbitramento da renda previstas nas Leis nº 8.021/01 e 8.846/94, no entanto entendo que o lançamento tributário não pode se apoiar apenas no silêncio ou na incapacidade material de uma pessoa física de justificar todo um rol de operações bancárias que realizou às vezes durante um prazo de cinco anos, dependendo do maior ou menor período objeto de averiguação fiscal.

A presunção legal constitui técnica de lançamento indiciário através da qual, na presença de certos fatos, conclui a lei ter ocorridio o fato tributário. No caso analisado, não creio que o simples silêncio do contribuinte possa configurar este “fato” isoladamente. Necessário, como disse, que outros elementos sejam colhidos pela fiscalização de modo a comprovar que os créditos bancários injustificados, de fato e de direito, representam receita omitida à tributação.

Registro que o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, órgão incumbido de controlar a legalidade das autuações fiscais federais, tem decisões entendendo que “na apuração de omissão de rendimentos, através da elaboração do fluxo financeiro de rendimentos e de despesas/aplicações (“fluxo de caixa”), efetuado com base em cheques emitidos é imprescindível que seja identificada a utilização do valores como renda consumida, evidenciando sinais exteriroes de riqueza, visto que, por si só, a emissão de cheques não constitui fato gerador do imposto de renda, pois não caracteriza disponibilidade econômica de renda e proventos. Assim, se a fiscalzação não procedeu à identificação dos gastos representados pelos cheques de conta bancária é ilegítima a sua imputação como aplicações do fluxo financeiro (ac. 104-20337).”

Portanto, lançamentos apoiados em movimentação bancária não justificada devem ser acompanhados da demonstração da renda consumida e não declarada pelo contribuinte consubstanciada em sinais exteriores de riqueza.