Devolução Tributária II

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 10.05.2005

 

Há uma série de questões tributárias envolvendo a devolução de tributos recolhidos pelos contribuintes ainda aguardando pronunciamento final do Poder Judiciário, especialmente através do Supremo Tribunal Federal, o que exige toda a atenção para a questão relativa ao prazo para o exercício do direito a propositura de ação judicial objetivando aquela devolução.

Até recentemente o contribuinte que recolheu um tributo e que era dotado de fundadas razões jurídicas para sustentar a inconstitucionalidade do mesmo dispunha de dez anos para ajuizar ação judicial pleiteando a devolução do montante recolhido, consoante manso entendimento jurisprudencial acerca dos dispositivos do Código Tributário Nacional que regulam a questão.

Ocorre que a recente edição da Lei Complementar 118 bem como decisão do Superior Tribunal de Justiça que a interpretou mudaram o cenário, trazendo importantes conseqüências para os contribuintes que pretendem pleitear judicialmente a devolução de algum tributo já declarado indevido pelo Poder Judiciário ou que ainda aguarda pronunciamento final do Supremo Tribunal Federal acerca da validade da respectiva lei tributária instituidora.

Segundo o atual entendimento, quem pretender recuperar dez anos de tributos indevidos deve exercer o seu direito de acionar judicialmente o Poder Público buscando aquela finalidade até junho de 2005. Ações propostas após este momento, caso bem-sucedidas, apenas alcançarão recolhimentos efetuados nos últimos cinco anos, contados retroativamente do dia da propositura da ação.

Expus com detalhes o meu entendimento sobre o tema do prazo para o contribuinte pleitear a devolução de tributos em obra jurídica escrita em co-autoria com Marco Aurélio Greco denominada “Inconstitucionalidade e repetição de indébito” de modo que não pretendo neste curto espaço expor novamente todas as nuances do tema. No entanto, sinto-me impelido a mais uma vez manifestar o meu absoluto inconformismo com o caminho que o Direito Tributário brasileiro vem adotando no tema da devolução de tributos.

Considerando as peculiaridades da relação tributária no Brasil, determinar que a contagem do prazo prescricional, de cinco ou de dez anos, para o ajuizamento de ações requerendo a devolução de tributos inicia-se da data do recolhimento indevido é regra que não colabora para a cidadania fiscal e nem atende aos interesses individuais.

Com efeito, como no Brasil a inconstitucionalidade tributária é tema recorrente, haja vista a enorme quantidade de ações judiciais argüindo a inconstitucionalidade de leis tributárias e a devolução dos tributos por elas exigidos, muito mais eficiente, do ponto de vista da proteção dos interesses individuais e, em última instância, até do valor da Constituição, seria reconhecer que o termo inicial para o contribuinte ajuizar qualquer ação judicial pleiteando a devolução de tributos inconstitucionais somente se inicia após o Supremo Tribunal Federal reconhecer de forma definitiva aquela inconstitucionalidade.

O ideal seria que o Poder Público, após a pronúncia de inconstitucionalidade de uma exigência tributária pelo Supremo Tribunal Federal, tomasse a iniciativa de devolver aos contribuintes o montante que deles foi exigido indevidamente, como exigem os princípios fundantes do Estado Democrático de Direito, independentemente e qualquer ação judicial requerendo a devolução de tributo recolhido em contrariedade à Constituição.

Como infelizmente ainda não atingimos ainda esse grau de maturidade republicana e de respeito pelos direitos individuais, fundamental que o prazo para o exercício do direito de pleitear a devolução de tributo indevido, em caso de inconstitucionalidade, surja para o contribuinte apenas e tão somente após a definitiva pronúncia de tal vício pela Suprema Corte.

Determinar que o prazo para o ajuizamento de ações pleiteando a devolução de tributos com fulcro na invalidade da lei inicia-se na data do recolhimento significa estimular a litigiosidade entre Fisco e contribuinte, já que este, tendo razões jurídicas para questionar uma exigência tributária ou mesmo pleitear a sua devolução, por inconstitucionalidade, deve imediatamente procurar o Poder Judiciário, ajuizando a ação respectiva, sob pena de ver desaparecido o seu direito a devolução pelo decurso do prazo prescricional (contado de cada recolhimento), haja vista a natural demora do Poder Judiciário para definir as questões de inconstitucionalidade.

Em outras palavras, se o prazo para o exercício do direito a pleitear a devolução de tributos inicia-se na data de cada recolhimento, necessário que o contribuinte, desconfiando da validade da exigência, promova desde logo ação judicial questionando-a, sob pena de perder o direito a devolução de parcela do tributo indevidamente recolhido em período superior a cinco anos, caso, em momento posterior, o Supremo Tribunal Federal venha a reconhecer a inconstitucionalidade da lei tributária, em processo de outro contribuinte.

Portanto, a atual regra do Direito Brasileiro, ao invés de contribuir para o aprimoramento da relação Fisco x contribuinte no Brasil, acaba por deteriorá-la ainda mais, já que, diante de qualquer dúvida quanto à validade de uma exigência tributária, os contribuintes, sobretudo as grandes empresas, mais atentas a estas questões, imediatamente procurarão o Poder Judiciário, visando interromper a fluência do prazo prescricional e evitar o desaparecimento do seu direito a devolução de todo o montante que acreditam estar sendo indevidamente exigido pelo Fisco.