Lei complementar tributária

Tema dos mais importantes no Direito Tributário brasileiro é a relação entre lei complementar tributária e lei ordinária tributária e a hierarquia normativa entre ambas, pois implica retirar do legislador ordinário a possibilidade de alterar disposições definidas por lei complementar.

A hierarquia entre lei complementar e lei ordinária permite definir grandes questões tributárias, desde as mais gerais, tal como a relação entre as normas constantes do Código Tributário Nacional (lei complementar) e normas ordinárias federais, estaduais, distritais e municipais em sentido diverso, até as mais específicas, como, por exemplo, a possibilidade de norma isentiva prevista em lei complementar ser revogada por lei ordinária, o que ocorre atualmente com o debate acerca do dever ou não das sociedades civis quanto ao recolhimento de COFINS.

As leis complementares distinguem-se das leis ordinárias sob os planos formal e material.

Formalmente, a Constituição Federal, ao estabelecer o rol de atos normativos compreendidos no processo legislativo (art. 59), coloca as leis complementares em situação de precedência em relação às leis ordinárias, o que permite, desde logo, afirmar a hierarquia formal daquelas em relação a estas leis.

Ainda sob o ângulo da produção normativa (formal), as leis complementares caracterizam-se pela exigência constitucional do quorum qualificado da maioria absoluta do total dos membros (e não dos presentes à sessão) de cada Casa Legislativa. Assim, o quorum para aprovação de leis complementares na Câmara dos Deputados será sempre 257 deputados e no Senado Federal, 41 Senadores. A razão desta disciplina especial está em conferir maior rigidez e estabilidade à norma complementar, evitando a sua alteração sem uma maior discussão durante o processo legislativo.

A superioridade hierárquica formal das leis complementares também reflete-se na impossibilidade constitucional (art. 62, § 1º, III) de serem alteradas por medidas provisórias, normas com eficácia de simples lei ordinária. Vale dizer, medidas provisórias não podem validamente dispor sobre matérias reservadas constitucionalmente à disciplina da lei complementar, bem como não podem validamente tratar de temas por esta já regulados.

Sob o plano material, a Constituição Federal distingue a lei complementar da lei ordinária porquanto, expressamente, exige que certas matérias sejam disciplinadas por aquela espécie legislativa especial; é o que ocorre, por exemplo, com várias questões tributárias, em especial as normas gerais em matéria tributária (CF, art. 146, III), atualmente previstas no Código Tributário Nacional.

Coube a Souto Maior Borges, em estudo clássico sobre a lei complementar tributária, demonstrar que o tema deve ser analisado sob uma dupla perspectiva, pois o ordenamento constitucional brasileiro (anterior e atual) contempla duas espécies de leis complementares: aquelas que fundamentam a validade de outros atos normativos de escalão hierárquico inferior (p.ex., Código Tributário Nacional) e as que regulam diretamente matéria cuja disciplina lhe é reservada pela Constituição (p. ex., lei complementar que cria imposto novo).

Fundamental é verificar, sob o ângulo material, se a Constituição Federal estabeceu um rol taxativo das matérias possíveis de serem reguladas por lei complementar ou se poderiam os Poderes constituídos (Legislativo e Executivo) aprovarem e sancionarem, respectivamente, leis complementares tratando de outras matérias (além daquelas exigidas constitucionalmente), com a finalidade de conferir maior segurança e estabilidade à regulação, especialmente para o fim de evitar a alteração da disciplina estabelecida por meio de simples medida provisória.

Defendo o caráter não exaustivo das matérias constitucionalmente aptas a serem disciplinadas por lei complementar e justifico esta conclusão nas próprias razões que tornam constitucionalmente a lei complementar um instrumento normativo hierarquicamente superior à lei ordinária, quais sejam, o quorum especial para sua aprovação, a rigidez da sua disciplina e a estabilidade normativa por ela gerada, a impedir alterações motivadas por situações conjunturais.

Com efeito, se os Poderes Executivo e Legislativo politicamente decidem editar uma Lei complementar, mesmo nos casos em que essa espécie de fonte não é exigida pelo Texto Constitucional, a sua posterior modificação só poderá ocorrer por intermédio de diploma normativo da mesma natureza. Por trás dessa concepção está a exigência de maior estabilidade normativa, que concretiza o valor segurança jurídica.

Se os representantes políticos da República, decidindo dar maior rigidez à disciplina de uma questão, em pleno exercício de um juízo político que lhe é reservado, e sem qualquer conflito com a Carta Política, optam pela edição de uma lei complementar, mesmo que não estejam obrigados a esta via normativa pela Constituição Federal, somente uma nova lei complementar poderá alterar a disciplina assim estabelecida.

A Constituição Federal estabelece uma reserva material mínima para a lei complementar, o que não retira dos Poderes Legislativo e Executivo o juízo político de, submetendo-se às dificuldades do quorum da maioria absoluta, editarem outras leis complementares sobre temas alheios àquela reserva material mínima, caso decidam conferir maior rigidez à disciplina da matéria objeto da regulação.

Entender que uma lei complementar – que regula matéria não incluída entre aquelas que devem, por força constitucional, ser tratadas através desse veículo legislativo, ou seja, matéria não incluída na reserva material mínima – possa ser alterada por mera lei ordinária, significa menoscabar a autoridade institucional dos Poderes constituídos de, mesmo diante da dificuldades do processo legislativo especial, optarem pela via legislativa que, a seu exclusivo juízo, confere maior rigidez à regulação por eles estabelecida.