Super Receita

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 09.08.2005

 

O tumulto político instaurado no Brasil não impediu o Poder Executivo Federal de tomar uma decisão extremamente relevante para a sociedade brasileira, a qual trará inúmeras repercussões positivas no futuro do relacionamento entre o poder tributante federal e contribuintes.

Refiro-me à recém-editada Medida Provisória nº 258, de 21 de julho de 2005, que, entre outras determinações, transformou a Secretaria da Receita Federal na Receita Federal do Brasil. Mais do que uma simples alteração na designação de órgãos federais, a citada norma transferiu para a estrutura do Ministério da Fazenda, a qual é subordinada a Receita Federal do Brasil, toda a atividade de lançamento e exigência de tributos federais, aí incluídas as contribuições sobre folha de salários, antes exigidas pelas autoridades fiscais do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e da Secretaria da Receita Previdenciária.

Por determinação daquela Medida Provisória, os agentes fiscais da Receita Federal passam a ter atribuições legais para fiscalizar e lançar, além dos impostos e contribuições antes já arrecadados pela antiga Secretaria da Receita Federal (imposto de renda e contribuições sociais sobre lucro e faturamento), também as contribuições sociais sobre a folha de salários, o que significa concentrar em um só órgão a competência fiscalizatória e arrecadatória na esfera federal.

O processo administrativo fiscal relativo à exigência e impugnação das contribuições sociais incidentes sobre a folha de salários passa também a ser regido pelo Decreto 70.235 de 1972, como já ocorre com os demais tributos federais. Em conseqüência desta alteração nas regras processuais, fica transferida do Conselho de Recursos da Previdência Social para o Segundo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda a competência para o julgamento dos recursos administrativos interpostos referentes às contribuições sobre folha de salários.

Operou-se também a concentração da Dívida Ativa da União na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, órgão encarregado constitucionalmente de promover a execução dos créditos tributários titularizados pelo Poder Público federal, entre outras atribuições legais. Em outras palavras, no patrocínio judicial de seus créditos tributários a União Federal passará a ser representada judicialmente apenas pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

As alterações introduzidas pela citada Medida Provisória, como toda e qualquer decisão que implica transformação de estruturas burocráticas e organizacionais, afetam interesses localizados e por tal razão são objeto de críticas. No entanto, creio que as aquelas modificações trarão inúmeros efeitos positivos para a maior parte da sociedade brasileira.

Os contribuintes serão os maiores beneficiados com a Super Receita. Os ganhos são de diversas ordens. O cumprimento de deveres acessórios tende no longo prazo a diminuir, pois os formulários e declarações fiscais tendem a se consolidar, acabando com a duplicidade burocrática, que obriga atualmente, por exemplo, o contribuinte a pleitear uma simples certidão negativa de débitos federais junto a dois órgãos (Receita Federal e INSS), haja vista a diversidade de funções exercida por ambos.

O contribuinte também ganha com a submissão da exigência de contribuições sociais sobre folha pela Receita Federal na medida em que este órgão tem uma longa tradição de respeito pela legalidade formal e pela consolidação de seus atos normativos, ao contrário da regulamentação expedida pelo INSS, cujas inúmeras portarias e ordens de serviço, pela qualidade e quantidade, são incompreensíveis ao mais atento dos profissionais, a fortiori pelos contribuintes.

O efeito positivo para os contribuintes também se reflete na submissão do processo administrativo fiscal à competência do Segundo Conselho de Contribuintes, e por conseqüência, à Câmara Superior de Recursos Fiscais, órgãos que não raro cancelam exigências fiscais eivadas de ilegalidade, sem contar que a legislação agora aplicável também às contribuições sobre folha de salários é menos restritiva quanto ao direito de recurso administrativo exercido pelo contribuinte.

É evidente a valorização sofrida pelos agentes fiscais da Receita Federal e pelos Procuradores da Fazenda Nacional, fato que reputo positivo, haja vista a necessidade de o Estado Brasileiro fornecer as melhores condições possíveis de remuneração, qualificação e condições de trabalho aos indivíduos encarregados do processo de lançamento e execução de tributos federais.

Agora é só aguardar que o avanço legislativo operado sobre a burocracia federal encarregada da exigência de tributos seja seguido de uma transformação na legislação tributária, tornando-a menos draconiana no que tange à carga fiscal, imposição de penalidades e restritiva de direitos individuais, e mais consentânea com o espírito de uma Constituição, como a brasileira, comprometida não com o fortalecimento do Estado, mas com a defesa e a afirmação do indivíduo.