O ICMS DOS MUNICÍPIOS PARAENSES

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 03.11.2019

Uma das causas da deterioração das finanças e dos serviços públicos prestados pela maioria dos Municípios paraenses (especialmente a Capital e as maiores cidades) está na crescente perda de receita recebida a título de quota-parte de ICMS em razão do aumento da produção mineral em poucos Municípios do Estado do Pará, os quais, além de receberem vultuosas quantias a título de CFEM – Compensação Financeira pela Exploração Mineral (os chamados royalties minerais) ainda levam a maior parte da receita total de ICMS que o Estado deve distribuir aos Municípios. Proponho a seguir um novo tratamento legal ao tema.

Por determinação constitucional (art. 158, IV, parág. único), os Estados devem transferir aos Municípios 25% (vinte e cinco por cento) do produto da arrecadação do ICMS, conforme os seguintes critérios: I – ¾ (três quartos), no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; e II – até um ¼ (um quarto), de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.

A própria Constituição Federal (art. 161, I) remete à lei complementar a função de definir o conceito de valor adicionado para fins da distribuição da quota do ICMS a ser distribuída aos Municípios.

Como se observa, 75% (setenta e cinco por cento) do montante do ICMS a ser repassado aos Municípios deve ser distribuído segundo o critério do Valor Adicionado Fiscal – VAF definido em lei complementar federal. Os Estados têm competência para definir plenamente o critério de distribuição de apenas 25% (vinte e cinco por cento) da parte do ICMS que deve ser transferido aos Municípios.

Cumprindo o determinado pela Constituição Federal, a lei complementar 63, de 11 de janeiro de 1990, com a redação da lei complementar 123/2006, estabelece (art. 3º. parág. 1º) que o Valor Adicionado Fiscal corresponderá, para cada Município: I – ao valor das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações de serviços, no seu território, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil; e   II – nas hipóteses de tributação simplificada (regime tributário do SIMPLES) e, em outras situações, em que se dispensem os controles de entrada, considerar-se-á como valor adicionado o percentual de 32% (trinta e dois por cento) da receita bruta.

A lei complementar 63/90 (art. 3º. parág. 2º, II) prevê ainda que para efeito de cálculo do valor adicionado serão computadas as operações imunes do imposto, entre as quais as operações de exportação.

Os preceitos supracitados geram uma distorção federativa no Estado do Pará que tem como característica a exportação de produtos minerais concentrada em poucos Municípios, operação que apesar de não gerar ICMS aos cofres públicos (por determinação constitucional), deve ser considerada como crédito ao Município exportador para efeito do cálculo do valor adicional fiscal que define o montante da quota-parte do ICMS a ser repassado ao Município.

Em outro dizer, em face da previsão da lei complementar 63/90, atualmente os Municípios mineradores paraenses que exportam substanciais minerais recebem os royalties minerais desta operação, não geram ICMS aos cofres públicos paraenses, no entanto recebem a maior parte do bolo da quota-parte do ICMS arrecadado pelo Estado nas operações realizadas nos demais Municípios paraenses.

Conforme demonstrado, o Valor Adicionado Fiscal é o resultado do confronto entre as operações de saída deduzidas das de entrada em cada Município. No caso dos Municípios mineradores, as operações de saída (exportação) são registradas e devidamente computadas para efeito de apuração do valor adicionado, mas as operações de entrada (extração do minério) não são registradas e nem computadas pois não configuram fato gerador do ICMS.

Esta distorção federativa pode ser reparada por lei estadual.

Observe-se que a própria lei complementar 63/90 (art. 3º. parág. 1º, II) estabelece que nas situações em que são dispensados os controles de entrada, considerar-se-á como Valor Adicionado o percentual de 32% (trinta e dois por cento) da receita bruta. É precisamente o que ocorre com a exportação de produtos minerais primários onde a empresa mineradora não é obrigada a registrar no livro de entrada do ICMS a entrada da mercadoria no seu estabelecimento por não se tratar de operação submetida à tributação pelo ICMS.

Com efeito, a operação de saída relativa à exportação de produtos minerais enquadra-se perfeitamente entre aquelas previstas pela lei complementar 63/90 onde o Valor Adicionado é fixado legalmente em 32% (trinta e dois por cento) da receita bruta auferida pelo contribuinte que realiza a operação.

Para resolver a citada distorção federativa, necessária a edição de lei estadual enquadrando as operações de exportação de produtos minerais entre aquelas previstas pelo art. 3º, parág. 1º, inciso II, da lei complementar 63/90. Tal lei estadual não invadiria a reserva material da lei complementar porque não estaria redefinindo o conceito de valor adicionado, mas apenas interpretando o disposto na lei complementar, no âmbito da competência concorrente que a Constituição Federal reserva aos Estados (art. 24, parág. 2º).

Registre-se que compete (art. 24, CF) à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito tributário e financeiro. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, assegurada a competência suplementar dos Estados, campo normativo em que estaria operando a lei estadual ora proposta.

Portanto, entendo que o Estado do Pará pode editar lei estadual incluindo as operações de exportação de produtos minerais entre aquelas previstas pelo art. 3º, parág. 1º, inciso II, da lei complementar 63/90, para as quais o Valor Adicionado Fiscal foi arbitrado por esta lei complementar em 32% da receita bruta da operação de saída, corrigindo uma distorção federativa e distribuindo mais igualitariamente a quota parte de ICMS entre os municípios paraenses.