Sanções políticas

O Supremo Tribunal Federal, tão criticado ultimamente por sua postura, entendida por vezes como excessivamente conservadora (ou governista), tomou recentemente decisão que deve merecer o aplauso de toda a sociedade brasileira, notadamente da classe produtiva.

Ao decidir o Recurso Extraordinário nº 374981-RS, por expressiva maioria (dez votos contra um), o Plenário da Suprema Corte proclamou a inconstitucionalidade de lei tributária que contempla a exigência de prévia satisfação de débito tributário como requisito necessário à outorga, pelo Poder Público, de autorização para a impressão de documentos fiscais. O Supremo Tribunal Federal afastou prática comum, qual seja, a imposição de restrições à atividade econômica (negativa de certidões ou autorizações fiscais) como meio de coagir o contribuinte a recolher tributo que lhe é exigido pelo Fisco.

Assiste-se hodiernamente no Brasil à proliferação daquilo que em Direito Tributário denomina-se “sanções políticas”: autênticas coações que o Poder Público impõe ao contribuinte, muitas vezes através de lei (votada e aprovada por aqueles que deveriam defender os interesses do povo), como instrumento de intimidação para induzir o recolhimento de tributo que o Poder Público entende devido.

Entendeu o Supremo Tribunal Federal, na dicção do voto do eminente Ministro Celso de Mello, que “o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles – e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional – constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso.”

Em outro dizer, cabe ao Poder Público disciplinar o exercício da atividade econômica, especialmente através de lei, no entanto esta regulamentação não pode contemplar a imposição de restrições irrazoáveis ou desproporcionais à liberdade de iniciativa econômica dos indivíduos, sobretudo aquelas que se revelam autênticas “chantagens institucionais” de que se vale o Poder Público para coagir o contribuinte à satisfação das dívidas tributárias.

Na dicção do Supremo Tribunal Federal, o Poder Público deve utilizar-se dos meios jurídico-processuais disponíveis para a exigência dos seus créditos tributários, revelando-se inconstitucional a lei tributária que imponha sanções políticas ao contribuinte que ousa desafiar o Fisco e questionar a imposição tributária.

No caso julgado pelo Pretório Excelso, tratava-se de negativa de autorização de emissão de documentos fiscais ao contribuinte em débito com o Fisco, mas sanções políticas de idêntica natureza existem à exaustão na legislação tributária brasileira, como são exemplos os cadastros de inadimplentes e as certidões de negativa de débito fiscal. Talvez o precedente jurisprudencial ora comentado jogue novas luzes sobre o tema dos cadastros/certidões em matéria tributária, que tantos problemas trazem ao empreendedor nacional.

O importante é que através do citado precedente o Supremo Tribunal Federal, de forma indiscutível, fixou o princípio da proporcionalidade como limite jurídico intransponível ao legislador tributário (e com muito mais força, ao administrador tributário) em matéria de sanções e de exigências fiscais. Na ordem jurírica brasileira, mais uma vez, é reconhecido o direito a que o exercício da livre iniciativa econômica reste livre da imposição de restrições indevidas, infundadas e desproporcionais, baseadas na eventual impontualidade do contribuinte com os seus deveres fiscais.

Pessoalmente, fico feliz de ver o Supremo Tribunal Federal reconhecer a eficácia do princípio da proporcionalidade em matéria tributária de forma tão cristalina, pois como afirmei no meu livro “Princípio da proporcionalidade e o direito tributário”, em trecho que constituiu fundamento da decisão do Supremo Tribunal Federal, constante do voto do Ministro Celso de Mello, “o princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade, torna inconstitucional também grande parte das sanções indiretas ou políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários. Com efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas, e até mais eficazes (como a propositura de medida cautelar fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção da receita pública tributária, nada justifica validamente a imposição de sanções indiretas como a negativa de fornecimento de certidões negativas de débito, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em sérias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que vão da impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro Nacional do Comércio até a proibição de participar de concorrências públicas.”

Além de condenar juridicamente as leis que contemplam sanções políticas contra o contribuinte e de afirmar o princípio da proporcionalidade em matéria tributária, o aludido precedente jurisprudencial ainda merece aplausos porque reconhece a existência no Brasil de um “Estatuto Constitucional do Contribuinte”, afirmação que deve sempre ser lembrada em face da natural tendência ao arbítrio, sobretudo em matéria tributária, que todo governante possui, seja de que coloração partidária for.

Por fim, deve-se ecoar as palavras do eminente Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que “a prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental, constitucionalmente assegurados ao contribuinte, pois este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos por este editados.”