Tributação de serviços digitais

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 07.07.2019

 

Um dos problemas do nosso sistema tributário é sua completa inadequação para a tributação das novas manifestações de capacidade contributiva surgidas com a economia digital, notadamente os serviços digitais, em face da separação entre tributação da venda de mercadorias pelo ICMS e prestação de serviços pelo ISS.

Tradicionalmente no direito brasileiro, mercadoria sempre foi um bem corpóreo para efeito de incidência do ICMS. No entanto, atualmente um enorme volume de “mercadorias” (jogos, aplicativos, softwares,  filmes, etc) são comercializadas (nem sempre “vendidas”) em formato digital, logo, sem assumirem a natureza de bem corpóreo.

Esta questão está no centro da atual disputa entre Estados e Municípios brasileiros pela tributação dos serviços digitais. Os Estados sustentam que as mercadorias mesmo em formato digital devem se submeter ao ICMS (Convenio ICMS 106/17), e os Municípios, por outro lado, defendem que os produtos digitais nada mais são do que o resultado, genericamente falando, da prestação de serviços de processamento de dados (Lei Complementar 116/03, Lista de Serviços, anexo 1). No centro da disputa estão os contribuintes que não sabem com segurança qual o tributo que devem pagar, submetendo-se, por vezes, a penalidades impostas duplamente por Estados e Municípios.

A verdade é que o ICMS e o ISS são tributos que não respondem e nem se adequam às exigências da chamada economia digital, caracterizada pela desterritorialização do sujeito passivo tributário, pela destruição do tradicional conceito de estabelecimento fiscal físico e pela desmaterialização da coisa, produto, mercadoria ou serviço negociado.

Esta é a razão pela qual o mundo discute a criação de um conceito de estabelecimento fiscal digital e também de um tributo especial (Digital Service Tax – DST) para dar conta da realidade imposta pela economia digital.

Diante da substancial perda de poder tributário (e de receita tributária) para os países europeus que não tem estabelecimentos físicos de empresas de serviços digitais, mas que sofrem a atuação destas empresas, a Comissão Europeia, em 2018, propôs o conceito de “presença digital significativa” (significant digital presence) como o novo elemento de conexão entre as rendas geradas por aqueles serviços e o país onde está situado o seu usuário.

Por este conceito, uma vez caracterizada a “presença digital significativa” de uma empresa em um determinado país, mesmo na ausência de uma sede física desta empresa neste país, este poderá tributar as rendas por ela ali gerada, decorrente da disponibilização aos domiciliados neste país da sua plataforma digital ou de qualquer outro meio digital gerador de renda ou revelador de capacidade contributiva.

Para que exista uma “presença digital significativa”, pelo menos uma das condições abaixo deve ser preenchida: a) receita superior a 7 milhões de Euros anuais em um Estado Membro da União Europeia; b) número de usuários de serviços digitais superior a 100.000 em um Estado Membro em um período de tributação (normalmente ano); c) celebração de mais de 3.000 contratos comerciais de serviços digitais com usuários empresariais.

Na mesma linha, em 2018, a Comissão Europeia propôs a criação de um imposto sobre serviços digitais equivalente a 3% sobre as receitas provenientes de algumas atividades digitais. Os contribuintes seriam apenas as empresas com receitas mundiais anuais superiores a 750 milhões de Euros e receitas provenientes da União Europeia superiores a 50 milhões de Euros. A competência para tributar competiria ao país no qual se localizem os usuários das plataformas digitais.

Os serviços digitais sujeitos à tributação seriam: a venda de espaços publicitários em plataformas digitais, atividades digitais que permitam a interação entre os seus usuários, facilitando a venda de bens e a prestação de serviços entre os usuários e a transmissão de dados recolhidos a partir de informações e atividades realizadas pelos usuários.

Este DST vigoraria até a entrada em vigor do conceito de “estabelecimento digital”, resultante da adoção do elemento de conexão caracterizado pela “presença digital significativa”.

Outros países já decidiram criar impostos sobre serviços digitais, com diferentes características, tais como Hungria, Coréia do Sul, Índia, Itália, Reino Unido e Portugal.

Diante do que está acontecendo no mundo, não é hora de o Brasil encerrar esta disputa entre ICMS e ISS e criar, um imposto exclusivamente sobre serviços digitais, cobrado pela União e dividido entre Estados e Municípios segundo os critérios, já existentes e aceitos há décadas, do Fundo de Participação dos Estados – FPE e do Fundo de Participação dos Municípios – FPM? Todos ganhariam, inclusive o contribuinte brasileiro.